O primeiro beijo

2039 Words
—Estúpida!— Exclamou Lucinda, disferindo uma forte bofetada contra o rosto da outra. Vanúbia precisou de muita força de vontade para controlar o choro. Ela estava no jardim de inverno da mansão que Lucinda morava com os pais e como todos os outros encontros, as duas conspiravam ali, entre as diversas flores importadas e exóticas de madame Clara. — Tudo o que minha família fez pela sua e é assim que você retribui?— Continuou Lucinda.— Foi meu pai quem pagou seus estudos, foi graças ao meu pedido que você conseguiu o emprego de telefonista e depois a promoção para ser supervisora. — E-eu sei, senhorita. Sei que a devo tudo.— disse Vanúbia, cabisbaixa e com a voz embargada. — Nós matamos a fome de vocês e demos um teto a vocês. O mínimo que eu esperava era um pouco de lealdade da sua parte. — Não foi minha culpa, milady. Eu tentei colocar a Tessa para fora da companhia, mas ela foi mais esperta. Já tinha contado tudo ao doutor Carlos e ele interveio por ela. — Sabe por quê isso aconteceu, Vanúbia?— Lucinda agarrou o queixo dela com força.— Porque você é burra e incompetente. Por que deixou aquela golpista de sobreaviso? Se você não a tivesse alertado, ela não esperaria a demissão. — O doutor Carlos perceberia a falta dela. Ele mesmo deixou claro que ela era uma funcionária especial, que ela era um diferencial na companhia. Theresa Bretonne enfeitiçou o chefe, milady.— Vanúbia já não controlava suas lágrimas. — Infeliz!— Lucinda empurrou o queixo de Vanúbia, levando o corpo da mesma em conjunto.— Agora você não me serve de muita coisa. — Eu faço tudo o que a senhorita mandar, milady. — Fique de olhos bem abertos em tudo o que acontecer naquela companhia. Eu vou encontrar uma outra forma de tirar essa Theresa Bretonne do meu caminho. Eu não vou perder o Carlos novamente!— Exclamou Lucinda. Vanúbia precisou respirar fundo umas três vezes, estava trêmula Da janela do quarto, Laura, irmã caçula da Lucinda, espiava a movimentação debaixo. Ela não perdeu a oportunidade de ir até o quarto da outra, que atirava seus frascos de perfume no espelho da penteadeira. — Você deveria desistir de uma vez. Esse homem não te quer, o que mais ele precisa fazer para você perceber?— Laura cruzou os braços, desafiadora. Lucinda a lançou o seu melhor olhar fuzilante. — Do que você entende de relacionamentos? Só tem dezessete anos e ninguém te suporta. Saí agora do meu quarto.— Lucinda caminhou na direção dela como um furacão. Laura permaneceu parada no lugar, não demonstrando medo. Até mesmo porque, como toda irmã caçula, Laura era teimosa e corajosa. Lucinda não lhe metia nada de medo. — Deveria tratar a Vanúbia melhor. Ela é a única que te suporta.— Provocou Laura. — Eu vou te dar um conselho, irmãzinha. É melhor não se meter em assunto que não te diz respeito. Você não tem cacife para competir comigo em nada. Laura inclinou o tronco para a frente, desafiadora. — Eu não tenho medo de você. Eu sei que o papai se curva a todas as suas vontades assim como todos nessa casa, mas eu não vou ser mais uma. E tem mais, tudo o que eu puder fazer para você não ficar com o Carlos, eu irei. Lucinda agarrou o braço da mais nova, com força. — Você sempre teve inveja de mim. Você é o próprio demônio em forma de garota. — Eu sou a única pessoa da família que te enxerga como o monstro que você é. Egoista, voluntariosa… Você não respeita o livre-arbítrio das pessoas, Lucinda. Você quer tudo conforme a sua vontade. Lucinda soltou o braço da outra, abruptamente. — Eu sou determinada e luto pelo que eu quero. No amor e na guerra vale tudo. — Você está muito longe de saber o que é amor. O único amor que você sente é por você mesma. Desiste, Lucinda. Nem todo dinheiro do mundo vai te fazer ser como Tessa Bretonne, ou ter o amor do Carlos. Dessa vez, Lucinda agarrou os ombros de sua irmã com muita força. — Intrometida, invejosa… Eu acabo com você caso se meta no meu caminho! — Tire as mãos de mim!— Gritou Laura, agarrando o colarinho do vestido da irmã. Foi necessário que o senhor e a senhora Von Stein se interpusessem entre as duas. — O que está acontecendo dessa vez?— Perguntou Hans, parado entre as duas filhas. — A Laura não perde a oportunidade de me importunar. Ela escuta as minhas conversas para conspirar contra mim! — Heiliger Gott.— Murmurou Hans, confuso. Odiava se meter em briga de mulheres, principalmente quando essas mulheres eram as suas filhas. — Isso é verdade, Laura?— Perguntou Clara, perplexa. — Nein, Mom, es ist nicht wahr. Isso não é verdade!— Rebateu Laura.— Lucinda é quem não aceita que o dinheiro da nossa família não pode comprar o sentimento das pessoas. Ela não aceita que o Carlos jamais sentirá nada por ela. — Isso não é problema seu! — Lucinda faz bem em lutar pelo que quer. Carlos Collalto é um ótimo partido. Se não fosse pelo problema de sua perna, seria perfeito. O próprio se enterrou em uma terrível tristeza por conta disso. — Mom und Vati, ich bin entschlossen. Eu estou decidida. Eu quero um cargo na diretoria da companhia. Clara e Hans ficaram boquiabertos com aquele pedido. — Kleiner Vogel— disse Hans, chamando Lucinda por um apelido carinhoso de infância.— Acho que está indo um pouco longe demais. Mulheres não trabalham na diretoria. — Mas eu quero trabalhar, vati. Eu tenho estudos, sou formada em contabilidade e posso muito bem ser útil para a companhia. — das, Süßer.— disse Clara para o marido, de forma carinhosa.— Sim, querido.— ela reafirmou em português.— Não acho que seja uma ideia tão absurda, hoje em dia o mundo mudou bastante. As mulheres são mais modernas. — Uma mulher trabalhar fora de casa ainda é um absurdo e tanto, schatz, ainda mais de boa família como a nossa Lucinda. Não existem mulheres contadoras. — Existirei eu. Quero estar perto do Carlos para poder conquistá-lo. A melhor forma é com a convivência. Fale com ele, vati. Exija que me consiga um cargo na companhia. Hans respirou fundo. Era impossível não se dobrar as vontades de sua linda filha. — Alles klar, kleiner Vogel. Amanhã mesmo irei até a companhia para falar com o Carlos. Eu te prometo que farei o impossível para que você trabalhe no cargo que espera. Lucinda comemorou junto com a mãe. Laura não gostou nem um pouco de, mais uma vez, presenciar a sua irmã conseguir o que quer. … Tessa estava empolgada para o seu primeiro dia oficial como supervisora. Ela treinou as novas telefonistas e até atendeu uma ligação importante de um advogado francês - já que era a única que conhecia o idioma-. Vez o outro Carlos ia observá-la e tinha a certeza de que tinha feito a escolha certa. Algo havia mudado. Ele estava decidido a cortejar Tessa e a garota parecia dispostas a aceitar a sua corte. Eles sempre trocavam olhares, embora tentassem ser discretos. O dia estaria sendo perfeitamente normal se não fosse a visita de Hans Von Stein com o intuito de pedir um cargo para a sua filha mais velha. — Nós já temos um ótimo contador, senhor Von Stein. — Eu sei que você consegue dar um jeito, sim? Como as mulheres ganham bem menos do que os homens, não será um gasto tão extra. — Eu preciso ver. — Eu não estou pedindo, meu rapaz. É muito importante para a minha Lucinda vim trabalhar nesta companhia e eu a prometi que assim seria. Sabe que posso tornar os seus negócios bem difíceis se for da minha vontade, não sabe? Carlos precisou respirar fundo para não mandar Hans para um lugar bem clássico e conhecido. — Tudo bem, senhor Hans, eu conseguirei o cargo para a Lucinda, mas devo avisar que não poderei pagar o devido salário. — Lucinda não precisa trabalhar para sobreviver. A minha filha apenas quer uma ocupação, por isso estou garantindo que tenha. Bom, amanhã mesmo ela irá começar. Agradeço a oportunidade. Dessa vez, Carlos quase precisou morder a língua. Por que Hans falava como se ele tivesse direito de escolha? Os seus miolos estavam fervendo e aquela imposição havia estragado o seu dia. Se teve algo que arrancou o seu sorriso mesmo sem ele esperar foi quando, no final do expediente, ele se deparou com Tessa. — Eu estava te esperando. Espero que não tenha nenhum compromisso. Ele queria dizer: eu desmarcaria qualquer compromisso para estar com você. Ao invés disso, achou melhor ser prático e menos emocional. — Imagino que agora, sim, tenha um compromisso. Tem alguma ideia do que possamos fazer? O sorriso sugestivo da Tessa indicava que ela tinha, sim, uma boa sugestão. — Eu não acredito que você me convenceu a fazer isso.— disse Carlos, perplexo consigo mesmo, enquanto rodopiava no carrossel. — Eu acho que era exatamente disso que você estava precisando.— disse Tessa, logo ao lado dele. Depois daquele brinquedo, foram imediatamente atrás de sorvete, já que aquilo fazia parte do ritual. — Eu percebi que estava um pouco preocupado com algo, então quis te animar um pouco. — Eu agradeço, de verdade. O meu dia não começou muito bom. — Eu sinto muito.— disse Tessa, com sinceridade. — As vezes, tudo o que eu queria era deixar essa vida para trás e começar algo novo. Sabe, o meu sonho sempre foi abrir um restaurante de culinária italiana.— Confessou Carlos, ficando surpreso por abrir seus desejos com tanta facilidade. — Então vá em frente. Nunca é tarde para correr atrás dos seus propósitos de vida. Assim como nunca é tarde para sonhar. — E qual o seu propósito de vida? — Eu quero ser escritora. O meu sonho é publicar um livro, mas no meu caso é um pouco mais complexo. — Eu leria todos os seus livros. Tessa esboçou um sorriso espontâneo com o comentário dele. — Se realmente é o que quer, não desista. E-eu posso te ajudar a realizar esse seu sonho, basta me mandar o material que você tem e eu te dou minha palavra que faço uma boa editora publicar… Tessa ficou tão emocionada com as palavras do Carlos que não evitou beijá-lo. Ele arregalou os olhos no instante que os lábios dela tocaram os seus. O seu corpo reverberou em resposta, ele perdeu completamente o auto-controle. Uma de suas mãos agarrou a cintura fina e delicada da moça a medida que sua boca retribuía os movimentos da dela. O beijo era suave, um explorava o sabor do outro. Carlos tomou a iniciativa de introduzir a língua na boca dela e Tessa a recebeu com a sua. Ele estava surpreso com a tomada de iniciativa da garota. Na verdade, ela mesma estava surpresa com o seu comportamento. Não era nada aceitável que uma mulher respeitável agisse como a Tessa agiu. Mas o impulso falou mais alto e ela estava impressionada com a vontade do Carlos em realizar os seus sonhos. Verdade fosse dita, ela também estava surpresa por ter gostado tanto daquele beijo. Ela prontamente se afastou ao se dar conta de que acelerou demais as coisas. Os dois estavam ofegantes e se olhavam como se estivessem se vendo pela primeira vez. — Me perdoa, Carlos. Eu não deveria… Ele levou o indicador para o meio da boca dela. — Eu gostei. E-eu confesso que eu quero ir com com calma, mas eu adorei o seu beijo. Não tem nada de errado, Tessa. — Isso significa que você não achou um absurdo… — Não, Tessa. Eu estou encantado com você desde a festa. Eu quero te conhecer melhor. Eu quero te fazer a corte. Tessa se aproximou devagar, mais uma vez, deixando que agora fosse Carlos a tomar a iniciativa do beijo. O plano estava dando certo, Tessa tinha certeza de que ele estava se apaixonando por ela.
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