Amar novamente.

2282 Words
Tessa m.al havia entrado em sua cabine quando foi chamada pela supervisora. Vanúbia a levou para o corredor para terem a tal conversa. A tranquilidade e cinismo da garota deixaram Vanúbia intrigada, embora, na festa, tenha percebido o quão determinada e dissimulada ela era. — Deve saber ao que se deve essa nossa conversa, não é?— A mulher cruzou os braços. — O que te faz tomar o partido de outra pessoa dessa forma, Vanúbia?— Tessa estreitou os olhos.— Ou vai me dizer que todo o seu incômodo por eu estar conversando com o chefe não foi por causa da senhorita Lucinda Von Stein. Vanúbia, que já era pálida, ficou ainda mais. — Isso se deve ao seu mau comportamento. Você foi diretamente ao chefe e ficou se insinuando para ele a noite inteira. Eu te alertei da sua má conduta e você me desobedeceu. — Pense o que quiser, Vanúbia. Você é minha superior aqui na companhia, fora dela eu não te devo obediência nenhuma.— Rebateu Tessa, sem abaixar a cabeça.— O que tem de m.al em cumprimentar o meu chefe? Claro, para a Lucinda que é louca para colocar as garras nele, tem. E também para você, que é o cachorrinho dela. — Abusada! Vai receber o bilhete azul agora mesmo, trate de ir na diretoria acertar suas contas.— Vanúbia agarrou o braço da outra. De repente, uma chegada inusitada fez Vanúbia recuar. Ela quase esqueceu como se respirava ao ver Carlos logo atrás da Tessa. Tessa também ficou surpresa com a chegada oportuna de seu chefe e mais uma vez constatou que a sorte jogava ao seu lado. — Eu estava vindo para conversar com a senhorita justamente sobre a telefonista Theresa, mas vejo que já se adiantou em querer dispensar a moça. — S-senhor a Tessa me faltou com respeito e eu tive que tomar essa atitude radical. Não posso permitir que ela desafie a minha autoridade… — A senhorita Bretonne me procurou logo cedo e me contou que o ocorrido se deve ao fato da jovem ter conversado comigo durante a festa da companhia. Vanúbia permaneceu em silêncio, achou melhor não responder. — A senhorita Bretonne apenas me cumprimentou, não foi desrespeitosa em nenhum momento. Além disso, não vou permitir que use de sua autoridade para resolver assuntos pessoais e não é a primeira vez que a senhorita tem esse tipo de comportamento.— ele a olhou diretamente nos olhos enquanto conversava. — E-eu…— Vanúbia estava nervosa demais para conseguir falar. — A senhorita Bretonne é uma de nossas melhores funcionárias. Sempre chega no horário, já ajudou a treinar outras colegas e por falar outros idiomas, sempre é ela quem atende ligações mais importantes. Uma funcionária assim não é simples de encontrar. — A senhorita Bretonne insinuou que eu uso de minha autoridade para fazer favores a dona Lucinda. — Ela não é a única a achar isso. Já estava pensando em tomar essa atitude e o seu comportamento só me ajudou a tomar essa decisão. Vanúbia arregalou os olhos, assustada. — O-o que significa, chefe? — Significa que a partir de hoje a senhorita não é mais a nossa supervisora, será apenas uma das nossas telefonistas. Tessa teve certeza que o sangue quase parou de circular pelo corpo da Vanúbia, porque a cada susto ela ficava ainda mais pálida. — Eu sou a funcionária mais antiga, senhor. Além disso as meninas não podem ficar sem uma orientação… — E não ficarão.— Carlos a interrompeu.— A senhorita Bretonne será a nossa nova supervisora. Tessa não disfarçou o sorriso largo, aquilo deixou Vanúbia ainda mais incomodada. — Devido ao seu tempo de serviço não vou diminuir o valor de seu salário. Já a senhorita Bretonne, ganhará o devido aumento com as devidas bonificações.— ele voltou-se para Tessa, em seguida.— Me acompanhe, senhorita. Carlos tomou a iniciativa de caminhar de volta para a sua sala. Tessa olhou a outra por cima do ombro, com um olhar vitorioso. — É melhor não falar muito, Vanúbia. Está ficando pior para você.— disse a garota, antes de caminhar com o seu chefe. Após cuidarem das devidas mudanças de cargo da Tessa, a garota quis prolongar o seu tempo de conversa com — Carlos. — Eu nem sei como agradecer o senhor por ter me defendido. Ainda mais por essa promoção. — Você merece, Tessa. Do contrário, eu não teria te defendido, tampouco teria te dado uma promoção.— disse o homem, mostrando-se imparcial. — Eu corresponderei suas expectativas.— Tessa ficou de pé. — Eu sei que sim.— Carlos também ficou de pé.— Venha, eu vou pessoalmente comunicar a mudança de supervisora. Tessa estremeceu ao ouvir o seu chefe avisar para as outras telefonistas de que ela seria a nova supervisora. A tentativa da Lucinda e da Vanúbia de mandá-la para longe acabou sendo um favor. — Após fazer umas revisões, constatei que a senhorita Bretonne é a moça ideal para ser a supervisora de vocês. Eu espero que a recebam bem nesse novo cargo e que continuem fazendo o ótimo trabalho. As garotas receberam Tessa com aplausos, embora tenham ficado confusas e intrigadas com a mudança repentina. Logo depois que Carlos deixou a sala, começaram os cochichos. — Eu acho que a Tessa está de namorico com o chefe.— Comentou Carolina com a garota que estava ao seu lado. — Eu não duvido. A Tessa é bonita demais e agora, manco como está, o doutor Collalto não se pode dar ao luxo de escolher muito.— Lívia sussurrou de volta. — Algum problema, meninas?— Perguntou Tessa ao perceber a movimentação. Todas ficaram quietas. Sequer Heloísa, sua melhor amiga, fez algum movimento. Ela estava preocupada demais com a amiga, mas guardava para si. Vanúbia, embora estivesse se esforçando muito para engolir o ódio, também ficou quieta. Ainda estava em choque por ter perdido o seu posto. O pior seria a reação da Lucinda ao saber que não conseguiu o que queria. Vanúbia estava perdida e m.al paga. … No final do expediente, Tessa não perdeu a oportunidade de fechar o dia com chave de ouro. Ela ficou até mais tarde organizando uns papéis, com o propósito de encontrar com Carlos. Precisava se aproximar dele a todo e qualquer custo. Não seria nada difícil, porque os pensamentos do Carlos já estavam voltados para ela. Ela descia as escadas quando o encontrou conversando com o advogado da empresa. Não demorou muito para Carlos notá-la. Percebendo que estava sobrando, o advogado logo saiu. — Aconteceu algum problema? Está bem depois do seu horário, não?— Perguntou Carlos, preocupado. — Eu estava organizando alguns documentos das funcionárias e preparando os treinamentos para as novas que vão entrar no próximo mês. — Não precisa ficar até depois do horário. É perigoso ter que voltar tarde. — Eu agradeço a preocupação.— Novamente Tessa arriscou o seu melhor olhar de flerte. Carlos involuntariamente prendeu o ar. Estava sendo muito difícil lidar com o desconforto que sentia sempre que Tessa estava por perto. Como não admirar a beleza dela? Ela era simplesmente encantadora. Como se não bastasse, era inteligente e aplicada. Mulheres como Tessa faziam Carlos perder facilmente o ar. Pena que ele já não era um homem completo. Carlos não poderia levá-la para dançar, não poderia levá-la a um passeio de cavalo e tampouco brigar por ela, caso fosse necessário defendê-la. A sua condição tiraria os seus brios para sempre. O melhor seria não alimentar nenhum tipo de esperanças e nem levar adiante aquela ideia absurda de convidá-la para a casa de chá. — Eu posso levar a senhorita para casa? — Eu adoraria.— ela concordou com um sorriso no rosto.— Mas o que acha de uma parada na casa de chá? Ele ficou surpreso com a proposta. Não era nada comum mulheres tomarem esse tipo de iniciativa. — Claro, vamos sim.— ele não conseguiu recusar. Sentados frente a frente, Carlos se perguntava se aquela era mesmo uma boa ideia. Foi necessário apenas que Tessa sorrisse para que ele deixasse suas dúvidas para trás. — Fico feliz que tenha aceitado o meu convite. — Eu pensei muito em te fazer esse convite, mas…— ele se interrompeu, como se calculasse bem as suas palavras. — Mas…— Tessa o incentivou a continuar. — Você é uma mulher muito interessante, Tessa, e eu tenho medo para onde pode evoluir essa nossa aproximação. — Medo por quê? Ele respirou fundo. Era muito difícil expor suas fraquezas daquela forma. — Eu não posso ser um homem completo, Tessa. — O senhor é mais do que um homem completo. O senhor é corajoso por assumir os seus medos e eu imagino que não tenha sido fácil a adaptação. Nunca se sinta menos por algo que aconteceu inesperadamente. O senhor, doutor Carlos, nunca vai ser menos homem por isso.— ela levou uma de suas mãos a pousar na mão dele. Carlos estremeceu com o toque. Sem conseguir se conter, ele esticou o polegar para acariciar o dorso dela. — Obrigado pelas palavras, Tessa. Mas, por favor, não me chame de senhor. Ao menos quando estivermos fora da companhia, me chame apenas de Carlos. — Eu espero que possamos tomar café mais vezes, Carlos. — Será um grande prazer. Eles passaram algumas horas conversando sobre assuntos aleatórios e diversos antes de que ele a levasse para casa. — Nos vemos amanhã.— disse Tessa. — Nos vemos amanhã.— Concordou Carlos. Ela o beijou no rosto, um pouco próximo ao canto da boca. Carlos se sentiu um adolescente ao experimentar aquela sensação de ter mil borboletas voando no estômago. Ele a assistiu se afastar sem deixar de pensar em como seria sentir o gosto da boca dela. Em seguida, logo tratou de afastar aquele pensamento. Uma mulher tão linda e cheia de vida como Tessa não seria feliz com um homem como ele. Carlos odiava sentir pena de si mesmo, mas não conseguia pensar em outra coisa, por mais que tenha escutado da boca da própria Tessa que aquilo não o faria menos homem. Ele precisava de conselhos e só tinha uma única pessoa no mundo capaz de dizer a ele o que precisava ser feito. — Eu sei que está tarde para te procurar, mas você é a única pessoa que tem conselhos razoáveis para me ajudar.— disse Carlos, parado na soleira da porta de um apartamento classe média alta de Girassóis. Do outro lado encontrava-se Marion, vedete e amiga do homem. — Entre, eu acabei de passar o café. Pelo visto, a conversa será longa.— disse a mulher. Ele fez o que ela disse. Marion tinha por volta de seus quarenta e dois anos e estava naquela fase de beleza inalcançável. Ela era atriz, cantora e dançarina e apresentava-se tanto no teatro de São Paulo quanto pelo mundo. Carlos a conhecia desde criança, devido a um romance que Marion teve com o seu tio Maurício. Por alguns anos, Carlos teve Marion como tia é mesmo depois, com o final do relacionamento, a amizade entre eles continuou. — Diga, querido. O que te aflige tanto?— Marion se acomodou em sua confortável poltrona da sala de estar. Carlos fez o mesmo. — Tem uma moça da companhia, uma telefonista, que ela está mexendo muito comigo. Eu não sei explicar, Marion. Antes eu sequer a percebia, acho que eu me tranquei a possibilidade de me interessar por alguém. — Você é jovem, lindo e muito interessante, Carlos. Não deveria anular os seus adjetivos pelo que aconteceu com sua perna graças ao ocorrido com aquela outra moça. — Eu não me sinto capaz de ter uma mulher como uma Tessa. — Ter pena de si mesmo não vai te fazer ir a lugar nenhum, Carlos. Reconheça os seus valores e se você realmente se interessar por uma mulher, vá até o final. — Eu não sei. Ainda estou conhecendo a Tessa. Também não sei ainda se é uma boa ideia misturar as coisas. — Se essa moça realmente valer a pena não fique pensando demais. Ninguém está imune a se apaixonar. Além do mais, não se deve comparar uma pessoa á outra. — Eu não sei se estou apaixonado, mas ultimamente eu só consigo pensar nela. — Então se permita conhecê-la melhor. Depois de tudo o que você passou, você tem o direito de amar novamente. — Eu vou conversar com a Tessa, estou decidido. Acho que não será uma má ideia fazer a corte. Ela não parece ser o tipo de mulher gananciosa e maliciosa que tem aos montes em nosso meio. — Agora tenha muito cuidado em quem vai confiar, principalmente no ambiente de trabalho. Os maus olhos enxergam além e as más línguas falam muito. Carlos esticou o canto da boca em um meio sorriso. — O que seria de mim se não fossem os seus conselhos? — Você estaria perdido.— Brincou a mulher.— Como sua amiga, me sinto na obrigação de te alertar… Tome muito cuidado com a Lucinda Von Stein, querido. Ela é perigosa e voluntariosa, e o pior… Ela quer você. Eu tenho para mim que a Lucinda não vai parar até conseguir o que tanto quer e tenho medo dos meios que ela pode usar para conseguir isso. Nada me tira da cabeça que ela foi a mente engenhosa do que aconteceu com você. — Esse assunto ficou no passado, Marion. A Cecília já não me importa mais, e a Lucinda nunca me interessou. É a Tessa quem eu quero e estou decidido a dar uma nova chance a possibilidade de me apaixonar novamente.
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