Plano arriscado.

2719 Words
- É uma ideia muito arriscada, Russo.- Insistiu Antônio, seu melhor amigo, pelo que seria a terceira ou quarta vez.- Você já é rico o suficiente como pintor, por que precisa demais?- - Meu amigo, como filho do prefeito, você deveria saber que dinheiro nunca é demais...- Respondeu Bruno, após uma última tragada em seu charuto. Ele estava confortavelmente bem acomodado atrás de sua escrivaninha, em seu escritório particular que ficava em sua própria galeria.- Além do mais, eu quero parar de correr tanto risco. Na minha galeria só tem quadros falsificados, quadros dos quais eu mesmo pinto, e invento para os compradores que são de artistas famosos, como o Delacroix. Eu sei que a imitação é perfeita, mas se um dia alguém suspeitar... Se um dia alguém descobrir e me denunciar, eu vou preso.- - Você é mesmo muito talentoso, meu amigo. Deveria pintar os seus próprios quadros, garanto que faria muito sucesso.- - Talvez, Antônio, talvez. Mas como não estou disposto a pagar para ver... Prefiro continuar assim.- - E você acha que também não vai correr riscos, usando essa garota que você acabou de conhecer, para dar golpes em homens ricos.- Contrapôs Antônio. Em seguida, levantou-se da cadeira no qual estava sentado, de frente para o seu amigo, do outro lado da mesa.- Qualquer dia você vai acabar se dando m.a.l de verdade.- - Fica tranquilo. Colocando aquela garota na minha frente, todas as consequências recairão sobre ela.- - E você acha isso certo, Russo?- - O que foi, hein? Virou politicamente correto agora? Caso eu vá preso, vai deixar de ser meu amigo? - Sabe que sou eternamente grato a você por ter me salvado da morte, naquele dia, em que participava do protesto contra a oposição, quando meu pai disputava o senado... Se não fosse por você, eu teria morrido esfaqueado.- - Não estou te cobrando nada relacionado a isso, Antônio.- Disse Russo, com sinceridade. - Mas eu faço questão de lembrar. Olha, o pai da Tessa era advogado do meu pai, não posso permitir que você engane a garota.- - E quem disse que vou enganá-la? A Tessa vai saber de tudo, e se ela concordar, vai virar minha aliada. Não vou me aproveitar da ingenuidade dela, fique tranquilo.- Rebateu Russo.- Agora, se ela for pega pela polícia... Infelizmente vou ter que deixá-la sozinha.- - Isso não é comportamento de um homem.- - Vai ficar me censurando?- Bruno Russo ergueu uma de suas sobrancelhas, desafiando o outro a fazer algum comentário quanto aquilo. Antonio respirou fundo, pesaroso, voltando a cair sentado na cadeira. - Tudo bem, tudo bem. Mas me diga, já pensou na possibilidade da Tessa não concordar, e acabar te entregando para as autoridades? Vai mesmo contar toda a verdade sobre você? Até mesmo sobre as origens dos seus quadros?- - Você pergunta demais, caro mio. É claro que eu não vou dizer tudo agora. Vou fazer com que a Tessa fique completamente apaixonada por mim, daí, então, será fácil de manipular. Sabe que consigo convencer a todos de sempre fazerem o que quero, principalmente quando se trata de mulheres. Minha habilidade com elas é fora de série.- Antonio revirou os olhos, não estava com a menor paciência para a falta de modéstia do amigo. - E quem é a sua vítima? Fora a Tessa, claro.- - Para unir o útil ao agradável, o dono da companhia telefônica para que a Tessa trabalha. Um homem jovem, bem apessoado, rico... Mas recluso. É óbvio que ele vai cair de quatro por ela. Como que um homem manco, arranjaria uma mulher tão bonita quanto aquela?- - Dizem que aquele ali é osso duro de roer, não vai ser nada fácil colocar a sua futura amante para seduzi-lo.- - Seduzi-lo, não, meu amigo. Com aquele beleza fenomenal, aquela cultura, sofisticação e inteligência... A Tessa vai enfeitiçá-lo. Pode escrever, é uma questão de tempo para que ela se case com ele, e consiga colocar as mãos na fortuna do paspalho.- - Está contando com o ovo fora da galinha, meu amigo, nem sabe se a garota vai concordar...- - Eu sei que hoje causei uma boa impressão, ela ficou verdadeiramente admirada comigo. Amanhã mesmo já coloco em prática as minhas cortes. Pouco a pouco, a Tessa estará tão envolvida, que fará de um tudo para ficar comigo, até mesmo dar um golpe naquele i.d.i.o.t.a.- - E quando ela conseguir o dinheiro para você, o que vai fazer?- - O futuro a Deus pertence, Antônio. Se a Tessa se mostrar a parceira para os meus planos, fujo com o dinheiro e com ela, monto um novo negócio bem longe daqui, algo que realmente me faça triplicar a fortuna que vou ganhar...- - E se você se cansar da Tessa até lá?- - Eu fujo só com o dinheiro, e a deixo como prêmio de consolação, para o corno.- Respondeu Russo, em seguida, dando uma alta gargalhada. ... Tessa m.a.l conseguiu dormir devido a tanta ansiedade. Revirou a cama por toda a noite, pensando em Russo. Nunca havia conhecido um homem tão incrível. A juventude era sinônimo de inexperiência, o que significava que Tessa não conhecia muitos homens, apenas os do círculo social de seus pais, que lhe foram apresentados. Russo era alguns anos mais velho, mas ainda assim, jovem. Jovem, bonito, atraente, muito inteligente… Tessa estava encantada, quase enfeitiçada. - Eu nunca te vi suspirar tanto por causa de um homem. Eu quase não estou te reconhecendo.- Comentou Helô, enquanto Tessa e ela caminhavam pela calçada que as levaria até a companhia telefônica. - Porque eu nunca me senti assim antes. Foi amor à primeira vista, sabe? Tipo um magnetismo, quando os olhos bateram… Era como se eu já conhecesse o Russo há mil anos.- - Tudo isso só porque ele gosta de uns quadros?- - Não, Helo. Temos gostos em comum, por isso a conversa fluiu tão fácil. Ele é um homem inteligente, culto… Justamente o que quero para mim. Aquela galeria dele é o paraíso… Ele é um homem viajado, conseguiu obras exclusivas que só tem no estrangeiro.- - Você está encantada, e como sua melhor amiga me sinto na obrigação de te dizer para ir com mais calma, você acabou de conhecer o sujeito.- - Ah, Helô… Você só vai entender o que estou sentindo, no dia que se apaixonar por alguém.- - Acho difícil isso acontecer. Estou empenhada em conseguir um lugar no mundo mesmo sendo mulher e n.egra. Eu preciso de um bom casamento, não de me casar por amor.- - Você pode conseguir os dois.- Insistiu Tessa. Helô chegou a abrir a boca para fazer algum comentário, quando uma voz masculina a interrompeu. As moças estavam a poucos metros da companhia telefônica, logo de manhã cedo, quando foram abordadas gentilmente por um rapaz conhecido. - Mais uma vez, uma feliz coincidência.- Disse Russo, após o encontrão.- É muito bom começar o dia te vendo, Tessa.- Disse Russo, acompanhado de seu amigo, Antônio. A garota abriu um sorriso tão largo e tão iluminando, que seria capaz de acender toda a cidade de Paris, que já brilhava forte por si só. - Russo. É mesmo um grande prazer te encontrar. Não paro de pensar em ontem… Nos quadros tão lindos e exclusivos.- - Toda semana tem uma surpresa, pode ir sempre que quiser… Bom, eu queria te entregar algo. Não tem a ver com quadros, mas é arte. Pretendia deixar com o porteiro, mas como nos encontramos aqui… O meu avô viajou para a França há um pouco mais de cinquenta anos, e conseguiu um manuscrito direto do escritor Victor Hugo.- Disse o rapaz, entregando-o para Tessa. Com os olhos brilhando, a garota segurou o livro. - Os miseráveis de Victor Hugo. Eu lia bastante esse livro na biblioteca, e meu pai até tinha um, mas acabou sumindo… Não sei se alguém levou… Bom, muito obrigada mesmo.- Agradeceu Tessa, fitando-o diretamente nos olhos, mas em seguida, os desviando para os seus próprios pés, um pouco tímida. - Eu lembrei de você imediatamente ao achá-lo na minha biblioteca. Sei que acabamos de nos conhecer, mas já posso perceber que você é uma mulher moderna, inteligente, a frente do seu tempo. Victor Hugo foi um grande ativista dos direitos humanos francês… Enfim.- - Eu admiro muito o trabalho dele. Também gosto do livro Notre-Dame.- Comentou Tessa, ainda fascinada com o presente. - Gosto da visão política dele.- Disse Russo. Heloísa e Antônio continuavam quietos, como meros figurantes na conversa daqueles dois. Até que, ao conferir as horas pelo barulho do grande relógio de parede da entrada da companhia, Heloísa achou melhor interferir, para que elas não se atrasassem para o expediente. - Tessa, precisamos ir.- Falou Heloísa, temerosa pela hora. - Bom… Qualquer dia desses eu apareço na galeria.- Disse Tessa a Russo, dando ouvidos a alerta de sua amiga. - Não pode me encontrar ainda hoje, na casa de chá?- Perguntou Russo. - C-claro.- Concordou Tessa, sem hesitar.- No final do meu expediente?- - Ótimo. Te espero aqui na frente, para irmos juntos até lá.- Disse Russo, abrindo um daqueles sorrisos que fazia com que uma mulher beirasse a loucura. - Até mais.- Disse Heloísa para os dois rapazes, educadamente. - Até mais.- Disse Antônio, com os olhos vidrados na moça. Tessa e Heloísa se dirigiram até a frente da companhia, em seguida, adentrando o lugar. Russo continuou parado na frente do lugar, com um sorriso vitorioso. - Viu, meu caro? É apenas uma questão de tempo para que a senhorita Bretonne esteja completamente de quatro por mim.- - Viu que mulher linda?- Comentou Antônio, ainda admirado com a beleza de Heloísa.- Nunca vi uma mulher tão linda em toda a minha vida.- - Como é?- Perguntou Russo, se divertindo com o encantamento do amigo.- Está falando da n.e.grinha, da qual você estava babando como um cachorro que viu um prato de carne fresca?- Antônio olhou enviesado para o mesmo devido ao comentário dele. - Achei que você estivesse ocupado demais com os olhos verdes da senhorita Bretonne, para reparar qualquer outra coisa.- Disse o rapaz, contrariado. Russo deu uma risada alta, voltando-se para o lado oposto. - Não vou negar que a senhorita Bretonne é lindíssima, além de ter uma conversa muito agradável. E claro, seria muito divertido me aproveitar daqueles atributos… Mas para mim, ela é apenas um negócio. Um meio certo e objetivo de chegar até a fortuna de Carlos Collalto, o homem mais rico dessa cidade.- - A sua frieza me espanta.- Comentou Antônio, como sempre, desconfortável quando Russo entrava naquele assunto.- Já eu… Eu estou verdadeiramente atraído com a beleza da senhorita Heloísa. Nunca vi uma mulher tão bonita… Perto dela as outras não fazem nem sombra.- - Literalmente… Como podem… Ela escurinha daquele jeito.- - Chega, Russo. Não fale assim dela. O que a torna mais encantadora é esse diferencial.- - Ah, meu amigo, não me diga que está apaixonado. Amor à primeira vista, como se você fosse uma donzela… Pelo amor de Deus. A senhorita Heloísa é linda, tem umas pernas que… Por Deus… Mas serve apenas para se divertir. Não é o tipo de mulher que você vai colocar um brilhante no anelar esquerdo.- - Quer saber? Preciso conhecer melhor a senhorita Heloísa. Se eu comprovar que além de beleza ela vem acompanhada de um bom conteúdo, com toda a certeza, eu levaria aquela mulher para o altar.- - É… O prefeito não vai gostar nada disso.- - Eu não me importo de enfrentar o meu pai, ou seja lá quem for, para conseguir o que realmente quero, Russo.- - Duvido muito você abrir mão dessa sua vida mansa…- - Te garanto que tenho o meu próprio pé de meia. Acha que torrei a mesada gorda que recebia de meu pai? Tenho uma conta recheada no banco… Além do mais, sou estudado, de boa família. Posso conseguir um bom emprego em qualquer lugar.- - Enquanto você se empenha no seu amor, eu preciso cuidar dos meus objetivos. Até o final desse mês vou ter Tessa Bretonne completamente nas minhas mãos.- Disse Russo enquanto caminhava na direção de sua galeria, que ficava a alguns metros de distância da companhia, acompanhado por Antônio. - Cuidado, meu amigo. O mundo dá muitas voltas. Cuidado para você não ser vítima do seu próprio golpe. Cuidado para não acabar apaixonado pela senhorita Tessa Bretonne. … Entre um emaranhado de fios e botões, as telefonistas desempenhavam seu trabalho com maestria. No painel á frente da telefonista, existia uma tomada para cada aparelho telefônico instalado. As moças recebiam o telefonema e perguntavam quem deveriam chamar. Elas conectavam qualquer telefone, enfiando o pino na tomada correspondente. - Bom dia, senhor Alberto. Uma ligação do doutor Elias.- Disse Tessa, para fazer a conexão entre as linhas. Logo após, transferiu a ligação. Naquele dia estava bastante movimentado, os telefones não paravam de tocar. Com sua habilidade, Tessa lidava com todos eles. - Está ocupado. Avisarei quando estiver livre.- Disse Tessa ao atender a próxima ligação, constatando que a outra pessoa estava fora de linha, provavelmente conversando com outro. Precisou se ausentar da cabine quando a coordenadora acenou, alegando que precisava falar com ela. Também chamou Heloísa, que estava logo ao lado. As moças foram conduzidas para uma sala a parte, e por mais que tentassem perguntar para a coordenadora o que estava acontecendo, a mulher baixinha e rechonchuda se negava a falar qualquer coisa. - Ah, vamos dona Vanúbia, não seja assim. Não faça tanto suspense, estamos morrendo de curiosidade.- Insistiu Tessa.- Por que o dono da companhia telefônica quer falar conosco? Fizemos algo de errado.- - Já vão saber, Tessa. Tenha um pouco mais de paciência.- Respondeu Vanúbia, enquanto as três cruzavam o corredor. Tessa estava quase trêmula quando adentrou a sala do chefe. Heloísa, assim como ela, estava bem nervosa. Era a primeira vez que elas tinham que lidar com o dono da companhia em pessoa. Na maioria, o rapaz tinha um gerente que o representava, para não ter que ficar lidando com os funcionários. Muitos comentários existiam a respeito de Carlos Collalto, sobretudo, sobre o seu mau temperamento e sua rabugice. Ele era ranzinza, metódico demais, e se achava muito importante para lidar com as classes mais baixas. Não que ser metódico fosse algo ruim, mas quando se tornava excessivo, era bem inconveniente. Carlos era conhecido por querer tudo perfeito, do jeito dele. O que ninguém nunca falava, era da beleza impecável do homem. Por mais que estivesse completamente apaixonada por outro, Tessa precisou reconhecer o quanto Carlos era bonito, embora, de fato, seu semblante fosse bastante fechado, lhe conferindo um ar sisudo. Com seus olhos furta-cor e seus cabelos bem n.e.g.r.o.s, se não fosse a antipatia do homem, ele arrasaria muitos corações. Ficou de pé assim que viu as moças adentraram, batendo a ponta de sua bengala no chão. Olhando discretamente para baixo, ambas perceberam a deficiência que Carlos tinha na perna. Aquela parecia ser mais curta, e a julgar pela forma com que o homem mancava, ela parecia ter até perdido a flexibilidade. - Senhoritas… Serei bem curto e grosso porque não tenho muito tempo a perder. Terá um coquetel aqui na companhia, alguns investidores importantes, de fora, comparecerão ao aniversário de quarenta anos da minha empresa. Algumas figuras importantes como o prefeito e o senador estarão aqui. Indo direto ao objetivo, vocês duas foram selecionadas como as melhores funcionárias do mês, e devido a isso têm o direito de comparecer à festa, se quiserem.- As duas moças se entreolharam, empolgadas. Apenas pelo olhar, entraram em concordância. - Eu nem sei o que dizer ao senhor, estamos muito felizes mesmo…- Começou a dizer Tessa, quando Carlos a interrompeu. - Apenas digam sim ou não.- Falou o homem, com rispidez. Aquilo deixou Tessa bastante desconcertada. - Por mim, sim.- Falou Heloísa, não se deixando abalar com a dureza do homem. - Por mim também, senhor Collalto. Pode nos esperar para o coquetel.- Disse Tessa, não esboçando emoção. - Podem voltar aos seus trabalhos.- Disse o homem, apontando para a porta. Silenciosamente as duas saíram do escritório. Tessa não havia ficado nada satisfeita com a grosseria, mas não evitou sentir pena de Carlos. Por que um homem jovem e tão bonito seria tão amargo? Aquilo era um mistério que futuramente ela desvendaria.
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