O que ele sente por mim?

2101 Words
Tessa mordeu os lábios ao ouvir a fervura que vinha de dentro do bule de porcelana, devido ao delicioso chá que a atendente servia para a moça em questão e também para o seu acompanhante. O tempo parecia ter demorado uma eternidade para passar. Tessa estava muito empolgada para encontrar o Bruno e contar a novidade. — A que deve esse sorrisinho? O que de tão bom aconteceu no seu dia? A garota ficou sinceramente tocada ao constatar o quão observador o homem era. No mais, as figuras do s.exo masculino costumavam ser frios e superficiais, mas Bruno estava se mostrando um homem sensível. — Heloísa e eu fomos selecionadas para ir a um coquetel da companhia telefônica, acredita? Ganhamos o título de funcionárias do mês.— ela apertou as mãos, as luvas rendadas presas em seus dedos longos.— Eu sinto que posso conhecer pessoas importantíssimas lá, pessoas que podem me ajudar a mudar o meu futuro. De repente, uma lâmpada de perversidade se acendeu na cabeça do homem. Aquela festa seria a oportunidade perfeita para Tessa se aproximar do dono da companhia telefônica. — E o que você quer para o seu futuro? A garota suspirou, ainda entusiasmada. Queria tantas coisas que não sabia definir. — Eu quero conhecer o mundo. Eu quero ser independente, livre… Eu quero ir além do mundo limitado que vivemos em Girassóis. — Você é como uma gota de intensidade e frescor nessa cidade opaca. Aqui é pequeno demais para uma moça como você, Tessa. Eu concordo que precisa experimentar o mundo. Os olhos verdes da garota brilharam forte. — Você é uma alma livre, Bruno. Você, sim, já experimentou o mundo.— ela inclinou o tronco um pouco para frente, parecendo conspiradora. Ele fez o mesmo. — Eu tenho um diário de viagem, posso te mostrar quando quiser. — Eu adoraria. — Assim, te inspiro a fazer o teu próprio diário. — Imagine só que batuta… Publicar um diário de viagem. Por que não tenta? — Prefiro manter minhas escrituras para mim e, claro, para pessoas especiais. Mas me diga… Quando será a tal festa? — No final do mês. Até lá, conseguirei que a mãe da Heloísa costure um vestido para mim. — Posso te dar uma dica sobre o vestido? — Claro.— Concordou Tessa, surpresa com a iniciativa dele. — Vá de verde. A cor fica mais do que perfeita em você. — Sugestão anotada.— Concordou Tessa, tomando a frente ao segurar a sua xícara com chá, leite e açúcar e levando-a até a boca. Bruno fez o mesmo que ela. Embora sua expressão fosse serena, a sua mente engenhosa calculava exatamente o tempo que teria para convencer a Tessa de seu plano e os seguintes passos que o fariam ter acesso a fortuna do Carlos Collalto. Tessa chegou em casa um pouco mais tarde, estava simplesmente encantada com o Bruno. Ainda suspirava quando sua mãe a flagrou distante. — Theresa?— disse Elsa, intrigada com o comportamento da mais nova. A mulher estava na poltrona da casa, costurando as encomendas que entregava para fora - uma renda extra para ajudar nas contas da casa-. Embora a casa fosse própria e ela recebesse uma boa pensão do marido, muitos eram os gastos com os estudos de seu filho. Alfredo cursava o último ano de direito, faltava muito pouco para conseguir o seu diploma. Todos os dias o homem precisava viajar por duas horas até a capital de São Paulo para ter acesso a universidade. Assim, incansavelmente, Elsa seguia com suas costuras até tarde da noite. — O que está havendo com você? Isso não são horas de chegar em casa. A garota mordeu os lábios, nitidamente inquieta. Não gostava de mentir para a mãe, mas achava um tanto cedo demais para falar que estava apaixonada por alguém. No mínimo, Elsa mandaria que Alfredo - irmão mais velho de Tessa- ficasse em seus calcanhares para saber mais sobre o rapaz. — Fui na casa de chá com a Heloísa. Aconteceu uma cena muito desagradável na casa da Marta Salsa que mexeu com os brios da minha amiga.— Tessa caminhou até a mãe e sentou-se ao lado dela. — O que houve?— Elsa colocou seus artefatos de costura sobre o sofá. — Marta Salsa expulsou a Heloísa da casa do prefeito porque as amigas dela não queriam sentar na mesa com a neta de ex escravos. — Que absurdo! Como alguém pode ser tão cruel?— Elsa levou uma das mãos a boca, horrorizado. — Ah, mas eu não deixei barato. Disse que se minha amiga não puder estar em algum lugar, eu também não fico. Também falei para aquela intragável da Marta que não me convidasse para mais nada. Elsa arregalou os olhos. — Você comprou briga com a filha do prefeito? — E isso não foi tudo. Mostrei o dedo do meio para aquelas ordinárias e as chamei de v… — Não complete!— Elsa a fuzilou com os olhos. Estava horrorizada com a capacidade de sua filha de esquecer toda a boa educação que recebeu. — Desculpe, eu não pude me conter. — Você acabou com todas as suas chances de conseguir um bom partido. Marta Salsa só anda com a nata da sociedade, elas vão espalhar para os quatro ventos o que você fez hoje. — Não me importa.— Tessa deu de ombros.— Não me interesso por esses homens de mente pequena, eu quero mais para mim. — E o que você quer?— Perguntou Elsa. Tessa não sabia o que responder. Ela sabia exatamente o que queria, mas como formular palavras que não fizesse a sua mãe se abespinhar? Por sorte, Alfredo chegou justo a tempo. — Boas noites. — Filho! Que bom que chegou!— Elsa caminhou até o rapaz para recebê-lo com um beijo. Alfredo nitidamente estava um caco. Trabalhar e estudar não era nada fácil, por isso Tessa admirava tanto o irmão. — Eu guardei o jantar para você. Venha, vou esquentar.— ela voltou-se para Tessa, em seguida.— Também quer jantar, querida? — Você chegou agora da rua, Tessa?— Alfredo arqueou uma das sobrancelhas. — Eu estava com a Heloísa na casa de chá, antes que me passe um sermão. Não vou querer jantar, já estou satisfeita.— A garota ficou de pé e logo foi para as escadas que a levariam para o seu quarto. Não queria correr o risco de passar por um novo interrogatório. — Não caiu nessa história de que ela estava com a Heloísa, não é, mamãe? — Por que não? As duas sempre foram inseparáveis, desde pequenas. Ah, isso deixava o seu pai maluco. Essas meninas aprontavam cada uma… — Não acha estranho que sendo bonita como a minha irmã é, ainda não apareceu com nenhum namorado? — Pretendentes é o que não faltam.— Elsa suspirou, pesarosa.— O meu sonho é que a sua irmã faça logo um bom casamento, mas a Tessa diz que os homens dessa cidade não servem para ela. — Tessa precisa de freios, isso sim. Vou manter os olhos bem abertos nela. Se tiver algum tipo de gracinha com a minha irmã, vai se ver comigo. … No outro dia, por se tratar de um sábado de manhã e tanto Tessa quanto Bruno estarem de folga, os dois se encontraram no parque da cidade para um piquenique. O lugar era lindo. Bem arborizado e com um lindo lago para que fizessem piquenique logo na margem. Eram três horas da tarde e o lugar estava quase vazio, Tessa lia o diário de viagem do Bruno, já que o mesmo havia prometido que lhe mostraria. A cada página que virava, ela ficava mais encantada com as experiências do homem e com toda a novidade que ele poderia oferecê-la. Já Bruno, estava ansioso com todo aquele entusiasmo. Do fascínio que a Tessa estava criando por ele, dependia todo o seu plano. — Eu nunca imaginei que Marrocos poderia ser tão intrigante. E no que se deu a sua amizade com a odalisca que conheceu no bar? Fez um retrato artístico dela, não é? Bruno prendeu rapidamente o ar. Por sorte, Tessa era ingênua o suficiente para não entender do que se tratava a “ pintura artística” da qual ele referia em seu texto. Talvez Tessa desmaiasse se visse o tamanho farto dos s.eios da dançarina Ayla Rashidi em uma das telas do Bruno. — Eu fiz muitas retratações do Marrocos. Gosto de registrar de alguma forma os lugares que conheço. Bom, registrar com o meu próprio olhar, diferentemente da máquina fotográfica. — Você é muito interessante, Bruno.— disse a moça com sinceridade. Bruno inclinou o tronco para frente carregando consigo o seu melhor olhar e sorriso de flerte. — Você, Theresa Bretonne, é encantadora.— ele segurou uma das mãos dela que levava uma delicada luva de renda francesa e a beijou bem no dorso. Tessa sentiu as bochechas queimarem ao mesmo tempo que o seu coração parecia estar prestes a explodir da caixa torácica. Ainda assim, Bruno iria com calma. A beijaria no momento certo, a respeitaria ao máximo e a deixaria intrigada quanto as suas intenções. Ela ansiava para receber um beijo dele e tinha quase certeza que ele tomaria a iniciativa naquela tarde. Depois do piquenique, foram andar de barco. Sentados lado a lado, enquanto conversavam, Bruno a provocava. Ele amava sentir que estava no controle da situação. — Espere, tem algo aqui no seu cabelo.— ele passou o braço na frente do pescoço da moça para segurar nos fios de seus cabelos escuros e tirar umas pequenas folhas que tinham ficado ali. Devido a quantidade de árvores e de vento, era natural que isso acontece. Tessa, ao se ver praticamente cara a cara com o sujeito, teve certeza que aquele seria o momento do seu tão esperado beijo. Ela estremeceu de vontade. Mas ele não a beijou. Tessa se censurou por querer apressar tanto as coisas, afinal, só o conhecia há dois dias. O que são dois dias para se permitir que um rapaz a beijasse? Não, Bruno não podia achar que ela era fácil. Tessa simplesmente fingiu que aquilo não a incomodou, mas Bruno percebeu exatamente o que se passava pela cabeça dela. Nos outros passeios, a expectativa era igual. Eles leram juntos na biblioteca, foram ao teatro, ao cinema, fizeram piquenique e andaram de barco outra vez. Todas as vezes quando Tessa achava que teria o seu tão esperado beijo, nada acontecia. Era frustrante e ela até chegou a pensar que Bruno não gostava tanto assim dela. Um dia, conversando com Heloísa enquanto iam para o trabalho, Tessa compartilhou com a amiga a sua decepção. — Eu acho que você está se precipitando.— Comentou Heloísa. — Estamos saindo há um mês, Helô. Um mês, e ele sequer tenta me beijar. — Então beije você. Tessa parou de caminhar de repente. Aquele tipo de comentário não tinha nada a ver com a personalidade da sua amiga. — Você não se diz uma mulher tão moderna? — Isso é ousado até mesmo para mim. Não tenho coragem, não sou experiente com homens.— Tessa voltou a caminhar. — Por que não tem uma conversa franca com ele? Bom, ao menos diga que se sente confusa quanto aos sentimentos que ele tem por você. — Eu não sei… Tenho medo de parecer precipitada. — Eu não te entendo, Theresa. Você mesma disse que já estão saindo por um mês e ele sequer tentou te beijar. — Bom… Sim… — Então vamos treinar. O que você diria para o tal Bruno Russo? Tessa mordeu os lábios ao pensar nas palavras. Ainda faltavam alguns poucos metros até chegar na companhia telefônica. — Eu acho que você concorda que a nossa conexão vai além de amizade…— Tessa mordeu os lábios novamente.— Não, acho que estou sendo muito direta. — Você não está acostumada a ser diferente.— Observou Heloísa. — Eu não sei o que dizer! Acho que perguntaria de uma vez o que ele sente por mim. — A sua chance está aí.— disse Heloísa, olhando para frente. Tessa paralisou ao ver a imagem do Bruno projetada logo a sua frente. Ela apressou os passos na direção dele. — Bruno.— A garota parecia surpresa. — Será que podemos nos encontrar depois do seu trabalho? Quero te mostrar um lugar especial. A garota aquiesceu, demonstrando ansiedade. — Eu tenho algo muito importante para te falar, Tessa. Algo que não pode passar de hoje.— Continuou o homem, misterioso.
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