Você, de novo?

2156 Words
Julia Graças a bondade daquele desconhecido, minhas roupas não ficaram totalmente molhadas. O ônibus não está tão cheio. Me sento no banco ao lado da janela, torcendo para que nenhum homem se sente do meu lado. No passado, tive experiências desagradáveis com homens dentro do transporte coletivo, tanto dentro de ônibus, quanto em metrôs e até mesmo táxis. O assédio sexual contra as mulheres está sempre presente em todos os ambientes. Gosto de me sentar perto da janela, como a maioria das pessoas, eu acho. Também gosto de me imaginar em um clipe musical, enquanto encosto minha cabeça no vidro e observo a cidade ficar para trás com meus fiéis fones de ouvido tocando sempre uma música muito boa. Como a maioria das pessoas, suponho. A chuva deu uma apaziguada, agradeço aos céus por isso. Imagino se a previsão do Seu João irá de fato se concretizar e o sol aparecerá, enfim. Talvez não, tem dias em que a chuva simplesmente vem para ficar. E na verdade, está tudo bem. Assim é a natureza, afinal. O fato de não gostar de dias chuvosos, está inteiramente ligado ao fato de precisar sair de casa em dias assim. Caso eu não precisasse, se fosse fim de semana ou feriado, por exemplo, ficaria feliz da vida, porque tem dia melhor para ficar em casa e assistir aos seus filmes prediletos do que em um dia chuvoso e frio? Definitivamente não. Minhas preces foram ouvidas e ninguém se sentou ao meu lado durante toda a viagem. O shopping já está bem movimentado a essa hora da manhã. Pessoas circulam para lá e pra cá, sempre entretidas em seus smartphones, como se toda a sua vida estivesse dentro deles. Deve ser o que muitos acreditam.  Estou quase atrasada para a aula, não desejava me atrasar justamente hoje que irei iniciar a matéria de Literatura Brasileira, mesmo sem ter tido ainda nenhuma aula, sei que será de longe a minha disciplina preferida. Só espero que o professor ou professora seja tão excelente quanto a matéria que irá ministrar, isso é tudo o que espero. Tomo um café rápido e como um misto quente. A praça de alimentação não está tão cheia, quanto costuma ficar na hora do almoço. No entanto, não pretendo demorar demais. Preciso dar um jeito no meu cabelo antes de ir, ele ficou ainda pior depois de tomar chuva. Entro no banheiro, está vazio. Ainda bem. Assim, terei privacidade para ajeitar minha juba. O meu cabelo é ondulado, só quem tem o cabelo desse tipo, sabe como dá trabalho para arrumar.  Soltou-o do coque em que estava preso e passo um pouco de óleo reparador que sempre trago na bolsa, amasso com as mãos e como em um passe de mágica, ele já não parece tão ruim assim. Há tempos venho pensando em mudar a cor do meu cabelo que está na cor castanho natural há mais de três anos. Luzes, talvez? Quem sabe? Mudar é sempre bom.  Pego minha bolsa e corro para o elevador, até agora estou tendo a manhã de segunda-feira mais movimentada da minha vida. Normalmente, tudo ocorre com tranquilidade, embora eu raramente chegue na hora certa da minha aula. Tento alcançar o elevador, mas ele já está fechando, grito para a pessoa que está dentro segurar para mim: ― Por favor! Segura, segura! ― mas não deu, a pessoa parece não ter me escutado. Irritada, eu praguejo alto: ― Droga! Neste exato momento, a porta do elevador se abre e eu fico roxa de vergonha. Com a cabeça baixa entro e agradeço ao homem que está ao meu lado sem olhá-lo nos olhos: ― Muito obrigada. Achei que eu tinha perdido. Estou atrasada para a minha aula. ― percebo que estou falando demais ― Me desculpe, você não tem nada com isso. Então, o estranho do meu lado fala e eu percebo que conheço a sua voz de algum lugar. ― Tudo bem. Parece que você está tendo um dia difícil. ― falou ele, com a voz calma. ― Você nem pode imaginar o quanto... Ergo a minha cabeça e o encaro nos olhos. Minha boca se abre de surpresa: É o cara que me deu o guarda-chuva no ponto de ônibus! O rapaz lindo de olhos verdes e cabelos negros. Isso não pode ser coincidência. ― Você... ― começo, ainda chocada por encontrá-lo de novo. ― Foi você quem me ofereceu o guarda-chuva no ponto de ônibus. ― E foi você quem eu presenciei quebrar o próprio guarda-chuva, batendo contra o cimento duro da calçada. ― responde ele, divertido ainda achando graça do que eu havia feito mais cedo.  Olhos para os pés, envergonhada. ― Bom, pelo menos me parece que você está tomando conta desse aí que eu te dei. ― diz indicando o guarda-chuva que estou segurando. ― Sim, é claro. Afinal, foi um presente muito bem vindo. Graças a ele e a você minha roupas estão secas agora e eu consegui preservar um pouco da minha dignidade. O homem ao meu lado ri baixinho e percebo que estamos sozinhos no elevador, não há mais ninguém. ― Às vezes, o dia não começa da forma como desejamos. ― diz ele, pensativo. ― Mas sempre pode melhorar. ― diz, agora olhando nos meus olhos e mais uma vez, fico espantada com a beleza dele. Ele não é só bonito de rosto, seu corpo também é magnífico.  Reparo nos músculos desenhados sob a camisa debaixo do blazer. Aliás, ele se veste muito bem. Imagino no que será que ele deva trabalhar, em alguma empresa, suponho. Como executivo ou empresário. Pode ser  até mesmo um médico ou um professor. Olhos para as minhas próprias roupas que não passam de um moletom, calças jeans e tênis all star. Constato que a diferença entre nós é grande. Bom, não dá para esperar muita coisa de mim, sou apenas uma estudante. Abro minha boca para responder, mas nesse instante escutamos um baque e o elevador para.  ― O que aconteceu? ― perguntei, já sentindo o pânico crescer dentro de mim. ― Acho que o prédio ficou sem energia. ― responde ele com naturalidade. Me pergunto se ele faz terapia para conseguir ser tão calmo. Olho em direção às luzes do elevador e constato para o meu terror que estão apagadas, o que indica que podemos ficar presos aqui dentro por muito tempo. Começo a andar de um lado para o outro, abraçando a mim mesma. Sou claustrofóbica, não tenho uma crise  desde os meus 18 anos. ― Moça? Está tudo bem com você? ― me pergunta, parecendo preocupado. Decido não mentir, embora ele seja um estranho, não tenho porque fingir que estou bem. ― Não, eu não estou bem. Eu tenho claustrofobia. ― digo, balançando a cabeça. ― Tenho pânico de lugares fechados. ― sinto o ar falar em meus pulmões. ― Eu preciso sair daqui, agora. Eu preciso. ― bato com os punhos fechados contra a porta, como se isso fosse adiantar alguma coisa. Cansada, me sento junto a um canto do elevador. Para a minha surpresa, ele caminha até mim e se agacha ao meu lado. ― Vai ficar tudo bem. Nós iremos sair logo daqui. tenta ficar calma. Eu estou aqui com você. ― ele se senta do meu lado e abre mochila, tira uma barra de chocolate de dentro e me oferece: ― Aqui, pra você. Come isso. Chocolate sempre me acalma em momentos de tensão. Eu pego o chocolate de suas mãos, abro e dou uma mordida. Chocolates são a minha paixão e parecem realmente terem propriedades calmantes. ― Obrigada. Você sempre anda com chocolates dentro da mochila? ― pergunto, agora um pouco mais calma. ― Só em situações como essa. ― ele brinca. ― Então é por isso, que você parece ser uma pessoa tão calma e serena. ― digo, dando mais uma mordida no chocolate. Dessa vez, ele ri alto. ― Na verdade, eu não sou uma pessoa calma e serena, eu tento ser. Estresse faz mal à saúde. ― Faz mesmo. ― Ele está tão próximo de mim agora, reparo em como suas sobrancelhas são grossas e seus cílios longos que emolduram olhos tão lindos que parecem terem sido pintados a mão. Seus lábios são tão cheios e rosados e estão tão próximos dos meus. Será que ele também está sentindo esse clima ou será que é tudo confusão da minha cabeça perturbada? Seus olhos me encaram curiosos e imagino se ele está pensando na mesma coisa que eu.  Subitamente me lembro da aula e dou um pulo. Não tem jeito, já estou mais que atrasada. Tudo o que eu não queria aconteceu. Pelo menos eu estou presa no elevador com esse homem lindo de morrer. ― O que foi? ― me pergunta ele, franzindo o cenho. ― Irei me atrasar para a minha aula. ― respondo com tristeza. ― Eu também... ― responde ele, pensativo. Nesse momento, o elevador volta a funcionar. Dou um suspiro de alívio e me levanto. Graças a Deus não demorou mais que 15 minutos. Guardo na bolsa o restante do chocolate. A porta do elevador se abre. ― Muito obrigada. Você me ajudou muito hoje, de várias maneiras.  ― Imagina. Nós sempre podemos precisar um do outro em algum momento de nossas vidas. ― É verdade. Bem... eu preciso ir. Tenho que correr. Até mais. A gente se vê por aí. ― digo com um sorriso. ― A gente se vê. ― responde ele, também com um sorriso. Danilo O dia está sendo bem curioso até agora. Chego no shopping, compro o que preciso e corro para o elevador, não posso me atrasar para o trabalho. Sou sempre pontual e por isso não aturo atrasos. Pontualidade é uma característica que prezo muito. Entro e uma pessoa vem correndo gritando para que eu segure o elevador,  bem na hora em que eu aperto o botão. Com sorte, consigo fazer o que ela me pede e bem nessa hora a escuto xingar bem alto. Surpreso, percebo que se trata da mesma moça que vi assassinando o guarda-chuva a alguns minutos atrás. Ela, no entanto, ao perceber que a ouvi, fica com o rosto da cor de um tomate. De cabeça baixa ela entra no elevador, somente quando falo é que ela reconhece a minha voz. Aliás: Boa memória auditiva. Começamos a conversar e reparo que ela está passeando os olhos pelo meu corpo, fixando o olhar sob os músculos da minha camiseta.  Preciso dizer que isso não me surpreende, sempre exerço esse tipo de atração nas mulheres. Mas, é bem agradável ser admirado. Decido então fazer o mesmo com ela, observá-la um pouco. Constato que ela é bonita. Na verdade, é bem bonita. Seus cabelos caem ondulados sob as costas e possuem uma cor de castanho bem bonita. Me pergunto se ela deve ser estudante, já que está vestida como uma: Calça, moletom e tênis. Acho que me lembro dela ter dito alguma coisa sobre aula quando começou a tagarelar nervosamente assim que entrou. Minha observação é interrompida por um baque no elevador, que para. O prédio ficou sem energia, suponho. Merda! praguejo mentalmente. Sabe-se lá que horas esse elevador voltará a funcionar e eu com certeza irei me atrasar para a minha aula. Ótimo, perfeito. Minha atenção é capturada novamente pela estranha comigo no elevador que parece estar tendo uma crise ou algo do tipo. Ela começa a andar de um lado para o outro, dizendo que precisa sair. Identifico de imediato um terror em seus olhos. Ela cansa de lutar com a porta do elevador e se agacha no chão em um canto. Eu pergunto se ela está bem e ela diz que não, que sofre de claustrofobia. "Como não pensei nisso?" De repente, sinto que devo fazer alguma coisa para ajudá-la. Então, me lembro do chocolate em minha mochila que a pouco havia comprado, tiro da bolsa e ofereço a ela. Gosto sempre de carregar um chocolate comigo, além de ser viciado nesse doce, ele também me ajuda a me acalmar em situações que exigem paciência, como esta. Felizmente, o chocolate parece distraí-la um pouco, ela pega e já dá uma grande mordida. Estamos sentados tão próximos que posso ver que ela possui algumas sardas em seu rosto, mesmo que bem poucas. Ela não é só bonita, ela tem algo mais, algo que me atrai profundamente. Seus olhos... Eu já vi esses olhos em algum lugar, mas onde? "É CLARO", penso comigo. Seus olhos são da mesma cor dos olhos da mulher misteriosa que aparece regularmente em meus sonhos. Eu poderia até dizer, que são os mesmo. Lindos olhos cor de mel. Fascinantes e hipnotizantes. Infelizmente, o elevador voltou a funcionar, me pergunto se ela sentiu a mesma magnitude que eu senti entre nós. A porta se abre. Ela me agradece novamente e se despede apressada. Está atrasada, assim como eu. Mas, tudo o que eu penso nesse momento, são naqueles olhos.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD