Rafael Lopes
− Rafa, aquilo não é uma mulher? − Natacha que outrora estava em seus devaneios, olhando para chuva que caia, exclama me fazendo parar o carro de forma brusca.
− Ai meu Deus, é uma mulher sangrando!!! Acho que vou vomitar!! − Giovana grita ainda mais alto e vejo Sophia perna de p*u, mancando até a direção da mulher, que se encontrava em frente a um bar deserto em plena rodovia.
− Fiquem aqui dentro, vou buscar a Sophia. Liguem para a emergência. − Digo e as garotas assentem muito assustadas.
− Não!! Saiam daqui como me encontraram, por favor não levem o meu filho!!! − Ela grita desesperada em meio as lágrimas. Seu corpo estava molhado pela chuva, suas roupas pareciam rasgadas e sua barriga em ponto de dar à luz ali mesmo naquele lugar. Retiro minha jaqueta e cubro a mulher que estava seminua e tremia de frio.
− Calma mulher, só queremos ajudar! − Sophia exclama sem ao menos um resquício de tato, não parecia estar acostumada em acalentar desesperados.
− Quem são vocês? Foi ele quem os mandou? Vamos, me digam!!!! − A mesma diz, empurrando seu corpo pelo chão na tentativa de fugir dali.
− Ela é Sophia Castilho e eu sou Rafael Lopes. − No momento em que digo meu sobrenome, o olhar de temor daquela mulher faz todo meu corpo arrepiar-se.
− Por favor, tenha misericórdia...não me faça nenhum m*l, já basta tudo que o senhor Lopes causou a mim e ao meu bebê. − Chora como se já se rendesse ao seu triste fim.
− Moça não se preocupe, o Rafael não faz m*l nem para um mosquito! − Exclama ainda sem necessidade. − Cadê a ambulância!! − Grita com as mãos para o alto, enquanto a chuva ficava cada vez mais forte. – Rafa, você já fez algum parto?
− Sophia indaga de forma natural, como se normalmente as pessoas fizessem partos sem ser médicos!! Lhe olho desacreditando de sua pergunta e a mesma estende os braços, como se dissesse “ué”
− O que meu pai fez a você? Por favor me diga. – Quando questiono a mulher buscando por uma resposta, a mesma desmaia e Sophia segura sua cabeça rapidamente, pondo em seu colo. Após alguns minutos os socorristas chegam, levando a mulher para o hospital, já se passava das oito horas da noite. Apesar das garotas quererem muita saber como a mulher estava, decidi que já era emoção demais para um só dia. Após deixar Sophia e Giovana em casa, sigo para mansão com Natacha que dormia no banco de trás. Ao chegar em casa as luzes estão todas apagadas, subo até o quarto de Nath com a mesma em meus braços, lhe deito em sua cama e a cubro com o cobertor, desço as escadas para tomar um copo de água e sou surpreendido por Marcos que acende o abajur ao lado da poltrona que o mesmo está sentado, na enorme sala de estar.
− Isso são horas de chegar, Ramael? − O mesmo questiona, com seu nariz empinado e peito estufado. Se levanta tirando o cinto de sua calça social pronto para iniciar mais uma agressão. – Parece que teremos que ter uma nova conversa, não é mesmo? − O mesmo fala levantando sua mão para mais uma vez me ferir, porém uma força me invade e sou capaz de pela primeira vez segurar sua mão tão firme que o impeço de me bater.
− Sou eu quem irei conversar contigo hoje.
– Digo por fim e o mesmo me olha assustado, ao ver que no dia anterior havia sido a última vez que me bateria sem eu merecer.
− Claro, filho...antes de tudo quero que me perdoe, toda essa situação de sua mãe no hospital, tem me deixado estressado demais.
− Como se não tivesse sido o senhor quem causou, mas, não é sobre isso que quero falar. – Digo, pegando um copo com água e me sento no sofá à sua frente. Meu pai estava com os olhos inchados e vermelhos, parecia ter chorado muito.
− Sua mãe mesmo disse que caiu, mas, sei que não tenho sido o melhor pai e marido do mundo, vou tentar ser melhor... – Ele diz e eu queria acreditar, mas, não consigo, não antes de saber o que havia acontecido com aquela mulher.
− Vamos logo ao assunto, o senhor está metido em algum negócio ilegal? − O questiono e o mesmo se levanta indignado, se preparando para subir as escadas para o segundo andar.
− Como pode pensar isso de mim? Posso não ser a melhor pessoa do mundo, mas, nunca lhe dei motivos para pensar que sou um criminoso. – O mesmo fala com uma calma irritante. – Mas, me diga...por que acredita que sou um mafioso ou sei lá o que?
− Encontrei uma mulher muito assustada hoje, com o simples fato de eu ter o sobrenome “Lopes”. – Digo um tanto relutante, talvez eu não deveria ter revelado isto a ele, mas agora já havia feito.
− Ah Ramael. – Pausa para enfatizar que o mesmo errara o nome do filho, que convive com o ele há exatamente vinte e dois anos.
– Me diga, quantos sobrenomes iguais aos nossos existem no Rio de Janeiro? Chegamos aqui faz pouco tempo, não tem como eu conhecer alguém a ponto de a mesma já sentir tanto temor por minha pessoa. – O mesmo diz e confesso, havia vindo desarmado para batalha, minhas munições acabaram e papai estava saindo vencedor. – Pare de pensar coisas assim sobre mim, sou um homem correto e temente a Deus. Boa noite. – O mesmo finaliza sua cena subindo as escadas, com ar de que havia feito naquele momento sua melhor performance e infelizmente, ele estava certo.
Sigo até a garagem, puxo para baixo uma escada que havia no centro do espaço que guardava dois carros luxuosos. Ao subir sou levado a um porão, onde acabo me lembrando de quando mamãe nos levantava de madrugada e nos conduzia até lá, enquanto Marcos dormia orávamos e cantávamos hinos a Deus e éramos capazes de ouvi-la falar a língua dos anjos. O lugar é escuro e apenas a fraca luz de um lampião o ilumina, ali contém três prateleiras de madeira cobertas por diversos livros, com temas e cores diferentes. Samara dizia que estes livros pertenciam ao meu avô, senhor Magno Lopes, nunca soubemos muito sobre ele, já que meu pai apenas contava que o mesmo viveu durante cem anos e trabalhava no negócio da fé. Há dez anos, não tínhamos uma vida estável como hoje, Marcos era cooperador de uma pequena igreja feita de madeira e bancos de cimento, comíamos o que era doado pelos membros, que também eram humildes. Meu pai era diferente naquela época, seu coração ardia por Jesus, éramos cheios do Espirito Santo, mas tudo mudou...nossa vida desmoronou, quando papai foi enganado por um grande amigo, prefeito da cidade grande, nossa simples moradia já não tínhamos mais e Jesus, bom, não o vimos por um bom tempo. O coração de meu pai se encheu de furor e ele sabia o que queria, vingança era o que sua mente vazia desejava e foi assim, que o mesmo conseguiu se tornar prefeito de nossa cidade no lugar do homem que o maltratou e agora, deputado federal do Rio de Janeiro.
Acabo dormindo, enquanto lia a história de um homem que sabia demais e por fim descobre, que na vida não importa o quanto aprenda sempre faltará algo para se conhecer.
− Ramael Amorim Lopes! − Ouço a voz de trovão me gritar no andar de baixo, uma coisa eu deveria dizer, pelo menos meu sobrenome ele ainda acerta. Acabo me assustando por ter pegado no sono em meu esconderijo e desço rapidamente ás escadas, encontrando homens retirando o enorme portão frontal da mansão.
− Pai, o que está acontecendo aqui? − Indago esfregando os olhos e o mesmo bate com um jornal em minha cabeça, seguindo para cozinha e o sigo atrás, buscando por café, que se encontrava na pia. − Ai meu Deus que horror, o que colocou neste café?
− Não coloquei açúcar, homens bebem café amargo. Bom, falando sobre o portão...Casas de ricos não tem portão.
− Quando se moram em condomínios, não é mesmo? − Falo pondo açúcar em minha xicara e por incrível que pareça o mesmo não se levanta para me agredir, por ter questionado seus desejos.
− Irei viajar, sua mãe sai do hospital hoje...vá busca-la. Ah, não esqueça de limpar essa casa, até os porcos vivem mais limpos que vocês! – Se despede com carinho e afeto (Ironia Alert) seguindo para garagem.
− Claro, sou a diarista. – Sussurro caminhando para sala e batendo meu dedo no pé da mesa de centro. – Ai! Glória Deus!!
− Rafa, batendo o dedo novamente na mesa de centro? Acredito que ela tenha algo contra você. – Natacha diz descendo as escadas lindamente, com seu vestido amarelo que casavam perfeitamente aos cabelos ruivos idênticos ao de nossa mãe.
− Não vai tomar café? − Indago ao vê-la se preparar para sair e a mesma n**a, comendo uma banana, voltando e beijando minha bochecha.
− Tenho aula de artes visuais. – Natacha havia conversado com o reitor da faculdade e conseguido fazer com que o mesmo lhe permitisse mudar de curso, sem que meu pai soubesse.
− Isso é tão injusto, também quero fazer algo que gosto. – Choramingo e a mesma sorri, avistando Caleb em frente aos entulhos.
– Não vai precisar que eu te leve?
− Quando tiver vinte e quatro anos, pode fingir como eu. – Gargalha e forço um sorriso. – Beijos Rafa, vou com o Leb. – Vejo a mesma correr em direção ao rapaz desengonçado que ri, remando seu skate. O mesmo segue para faculdade e Natacha logo atrás como uma adolescente apaixonada, era satisfatório vê-la feliz depois de tudo que já lhe aconteceu.
Subo as escadas em direção ao meu quarto, ondo tomo um banho e enquanto a ducha forte caía em meu corpo, lembrava-me da conversa que havia tido na noite anterior com meu pai, não fui capaz de acreditar em nada que ele disse e precisava saber o porquê daquela mulher sentir tanto medo.
Dirijo para o hospital, aproveitando que não teria a primeira aula na faculdade para trazer mamãe de volta e também encontrar qualquer resposta que aliviasse aquela ansiedade dentro de mim.
− Com licença, lembra-se de mim? − Indago ao encontrar o paramédico que havia ajudado com os cuidados da mulher grávida.
− Ah sim, você é o rapaz que estava com aquela gatinha ontem. – Fala maliciosamente e acabo por me lembrar que o mesmo se referia a Sophia.
− Acredito que sim. Mas, gostaria de saber sobre a situação da moça que estava grávida. Ficamos muito preocupados com ela. — Mudo de assunto.
− Aí cara, aquela garota é sua namorada?
− O rapaz baixinho era insistente e eu precisava de respostas. Senhor me perdoe por isso, mas, terei que mentir.
− Na verdade, ela está fazendo curso para ser freira. Noiva de Cristo, sabe como é.
– Falo e o mesmo se entristece por alguns segundos, voltando seu olhar cafajeste novamente ao ver outra mulher passar perto de nós.
− Que desperdício, mas, fazer o que. Olha, sobre a mulher...o marido dela veio busca-la hoje, era um cara boa pinta de terno caro e tudo mais. – O mesmo joga a bomba em meu colo e segue caminhando em direção ao fim do corredor, deixando-me cada vez mais curioso em saber o que estava realmente acontecendo. O tal socorrista não havia me dito o nome do tal esposo por ser contra as regras do hospital, mas não era necessário, naquele momento a dúvida já havia nascido em mim e não parecia querer ir embora tão cedo.
− Olá querido, que tal irmos embora? Não vejo de dormir em minha própria cama.
– Mamãe diz ao ser conduzida por uma enfermeira que a empurrava na cadeira de rodas. – Obrigada linda, mas não preciso mais disto. – A mesma diz se levantando, ajeitando seu vestido azul de mangas cumpridas e me estende a mão para que eu caminhe com a mesma.
− Então vamos lá, o papai foi viajar então parece que teremos uma folga. – Falo e a mesma ri, estendendo as mãos para o céu em agradecimento. Seu sorriso era lindo, uma pena que não se podia ver com frequência. Seguimos em direção ao meu carro e lhe ajudo se ajeitar no banco, encaixo o cinto em seu corpo e me sento no banco do motorista.
− Está tão quieto, algo aconteceu? Você e seu pai brigaram novamente? − Mamãe questiona. Se ela soubesse tudo que minha mente estava pensando naquele momento, a tamanha confusão que havia dentro de mim.
− Estamos todos bem, só estou um pouco cansado...ontem passei o dia todo no hospital com a Sophia. – Digo prestando atenção na estrada, enquanto dirigia.
− Sophia? Uma namorada ou o que?
− Pergunta animada com a possível resposta, mamãe sempre quis que eu começasse a namorar, ela dizia que me faltava um amor, que “quando se ama você para de existir e começa a viver. ”
− Uma boa amiga, apenas isso. Ela sofreu um pequeno acidente, mas agora está bem. – Digo e a mesma assente, enquanto me observa querendo saber muito mais do que eu estava contando. – Talvez eu goste dela, melhor agora? − Me dou por vencido e a mesma bate palmas alegremente.
− Isso é ótimo querido, quero que estejam felizes...tanto você quanto a Natacha, quando o Senhor me levar desejo que já tenham conhecido o amor. – Meu coração dói quando a mesma diz aquilo, mesmo sabendo que não, mas a gente sempre quer que nossa mãe viva para sempre, só de imaginar não a ter mais, sinto um nó em minha garganta.
− Pare de bobagem, a senhora vai viver muito...terá que cuidar dos seus netos, os cinco filhos da Natacha. – Brinco e a mesma gargalha concordando com a cabeça, sempre brincamos que Natacha seria mãe de cinco, por ter dado tanto trabalho para mamãe quando era pequena. – Que tal um filme hoje? Lançou um novo de comédia romântica, meloso do jeito que a senhora gosta.
− Será ótimo, mas, terá que chamar a Sophia, quero conhecer essa garota que arrebatou o coração do meu querido filho.
− Diz por fim, quando já chegamos em frente a nossa casa.
− Fechado. Terei que ir até a casa dela, acabei por não pedir o número de celular da mesma. Me sinto como nos tempos antigos.
− Resmungo e mamãe sorri, já descendo do carro.
− Então ficamos assim, você vai avisa-la e preparo o almoço para quando chegar com sua irmã da faculdade. – Me despeço de Samara e dirijo até a casa de Sophia, chegando em alguns poucos minutos e encontrando seu pai que saia pela porta.
− Bom dia Rafael, chegou bem cedo em.
– Seu Humberto diz e olho em meu relógio, vendo que já era nove horas.
− Desculpa senhor Humberto, voltarei mais tarde. – Digo envergonhado, me preparando para voltar para casa.
− Estou brincando rapaz, já está tarde mesmo. Sophia acabou de acordar, aquela dali é um sacrifício para levantar da cama.
− Rafael, por que está aqui tão cedo? Virou pão, foi? − Sophia zomba de minha pessoa, olhando-me pela porta ainda de pantufas de um desenho animado qualquer.
− Pode entrar lá, Ana saiu para comprar pão e logo chega. – Humberto fala, enquanto ajeita uma mochila azul escuro em suas costas.
− Voltarei outra hora, não quero que tenha problemas com os vizinhos. — Informo.
− Você terá problemas comigo, se fizer algo de errado com minha filha. – Sorri, enquanto diz, mas o aperto que dá em meu ombro faz com que eu perceba que estava a falar muito sério. Pai de Sophia segue andando para o seu trabalho e entro em sua casa, fechando o portão e subindo três degraus até a entrada da cozinha que era conjugada com a sala.
− Me diga, o que faz em minha humilde casa? − Sophia questiona, enquanto me puxa pela mão até o seu quarto que por incrível que pareça, estava extremamente arrumado. – Sim, minha mãe destruiu meu quarto. – Fala, apoiando o pé em uma almofada ao se sentar na cadeira de sua escrivaninha. Suas roupas estavam guardadas no pequeno armário de seis portas, na cor branco, sua cama também branca havia sido coberta por um edredom azul e seus muitos tênis que se encontravam anteriormente espalhados no chão, agora estavam todos empilhados em uma sapateira também azul céu.
− Isso é terrível, eu sinto muito por sua mãe ter entrado aqui e invadido sua privacidade. – Zombo e a mesma me dá um chute, gemendo de dor, por seu pé ainda está dolorido. Sento-me em sua cama e a mesma segue até mim, deitando-se ao meu lado com as pernas esticadas. – Parece que de vegetariana você não tem nada. – Digo ao avistar uma foto de Sophia em uma churrascaria, comendo um bom pedaço de carne. Ela ri ficando corada e ainda mais linda.
− Não resisto uma costela, mas, sabe sem preconceito...também tenho amigos que são vegetarianos. – Ela diz com ironia e sorrimos juntos. – Critica social velada, é tudo de bom. – Fala e encontro meus olhos com os seus que se igualavam ao sorvete de céu azul, aquele que pinta a língua. Ainda não sei, porque usei essa comparação, peço mil perdões.
− Você que é tudo de bom. – Digo sem ao menos perceber. Toda aquela coisa de paixão era nova para mim e não estava fácil disfarçar. Sophia se senta e afasta-se do meu corpo, ela tinha medo e eu também, mas minhas barreiras eram muito menores que as suas.
− Fala aí, conversou com teu velho sobre ontem? − Muda de assunto, logo para o qual estive tentando evitar.
− Disse que não tem nada a ver. – Falo e me levanto observando uma foto, onde Sophia ainda bebê se encontrava em uma praia de Salvador. – Nunca pensou em conhecer seus pais verdadeiros, saber o porquê de eles terem ido embora?
− Ás vezes, mas tenho medo...de machucar meus pais adotivos, principalmente a minha mãe. – Seu semblante havia mudado drasticamente e era visível sua dor.
− Seria uma aventura, não é mesmo? − Digo sorrindo e a mesma se esforça para sorrir, concordando em seguida.
− O que seria uma aventura, Rafael? − Dona Ana Paula surge do nada em frente a porta do quarto de Sophia e meus olhos se arregalam involuntariamente.