02° Capítulo

1205 Words
DIEGO É sábado e tudo o que eu queria era chegar em casa, tomar um longo banho e deitar no sofá com uma lata de cerveja e descansar, mas nada disso aconteceu e como sempre a culpa é da Isobel. Se eu soubesse que o aluguel barato me faria ser vizinho de uma maluca, jamais teria assinado aquele contrato. A garota é simplesmente insuportável com aquelas músicas de corno cantadas na pior voz do mundo e aquele filhote de pinscher dos infernos que só sabe latir na sacada. Hoje vou ter que dar um desconto porque não foi a doida da Dondoca, o nome do cachorrinho de satã, muito menos o sertanejo de corno que me atrapalhou, mas sim o idiota do namorado dela, aquele playboyzinho metido a besta que se acha por ter um carro importado e um cérebro do tamanho de uma ervilha. Assim que pisei no corredor, eu ouvi a discussão dos dois. Não foi a primeira, mas com certeza era diferente das outras. Isobel, parecia prestes a socar a cara do almofadinha e levando em consideração que ela tem um pouco mais de um metro e cinquenta, deveria ser bem sério. Eu não queria ter ficado parado e ouvindo todos os absurdos que ele estava falando para ela, mas permaneci estático, assim como os demais moradores. Eu presenciei o exato segundo em que ele a quebrou dizendo que o corpo dela não era bonito e que era digna de pena. Ninguém merece isso e pelo que pude entender, ele a traiu e ainda conseguiu sair por cima. Detesto esse tipo de pessoa. Sabia a dor que ela estava sentindo e foi por isso que a trouxe para minha sala, mas eu não sou exatamente o exemplo de uma pessoa solícita e delicada e agora ela está ali e eu aqui no corredor, a ouvindo chorar e pensando no que deveria fazer. A espio mais uma vez e vejo que está mordendo o lábio e que um filete de sangue escorre por sua pele clara. Isso é o que basta para que eu saia do meu esconderijo e me aproxime dela. Eu não sei lidar com mulheres chorando, acho que na verdade sou um pouco ruim com as mulheres em geral. — Para com isso — digo parando na sua frente e esticando a mão, passando o polegar em seu lábio inferior e a impedindo de continuar se machucando. — Vai passar esse lance aí. - Isobel me olha, seus olhos castanhos carregados de lágrimas, e eu engulo em seco, sem saber direito o que devo fazer. Dar uma dose de vodca a ela? Oferecer sorvete? Meu ombro para que chore, mesmo que eu esteja usando minha camiseta favorita e ter ranho dela em mim não seja minha ideia ideal de consolo? — Chifre é uma coisa que ninguém vê, então daqui a pouco já vai ter esquecido e... -Percebo que foi a coisa errada a ser dita quando ela começa a chorar alto, com soluços e tudo, seus ombros tremendo enquanto as mãos pequenas cobrem os olhos. — Foi uma coisa errada a se dizer — admito constrangido e passo a mão em seus cabelos castanhos. — Eu sou um idiota. Isob balança a cabeça e se aproxima, apoiando a testa em meu peito e agarrando o tecido da minha camiseta, chorando tanto que por um segundo penso em colocar chamar a ambulância entre as minhas opções de consolo. Meio sem jeito, a conduzo até o sofá e sento ao seu lado deixando que apoie a cabeça em meu ombro e chore. — Quer assoar o nariz? — indago, segurando a barra da minha camiseta. Ela arregala os olhos e ri, o tipo de riso histérico que indica que está muito nervosa. — Eu sou mesmo digna de pena, não é? — questiona entre soluços. — Não é. -Só que nesse momento eu sinto pena dela, da forma como parece triste e seus lábios tremem enquanto tenta controlar o choro. — Não é culpa sua — falo e de repente não sei direito o que fazer com as mãos. — Você deve estar se perguntando o que fez de errado, ou se é tudo o que ele disse que era, mas na verdade não é culpada de nada. Quem trai é quem está errado.- Isobel me olha, parecendo ponderar. — Eu sou mesma digna de pena. Sou gorda e não trabalho em um emprego que seja valorizado e o Guilherme é bonito e advogado. — E o que tem isso? — Eu deveria ter me esforçado mais para ter terminado a faculdade e emagrecido. -Ela dá um sorriso triste e eu sinto um aperto em meu peito. — Faculdade não é passaporte de sucesso. — Você fez faculdade, Diego? — Sim. — Então é por esse motivo que está me dizendo isso. - Isobel não diz isso em tom de acusação ou mágoa, na verdade parece mais resignação mesmo. — Não acho que você seja fracassada, ou feia. — Isso é muito gentil, Diego, mas você não me conhece direito. — Eu sei que gosta de música sertaneja e tem um pequeno demônio, quer dizer, pequeno cachorro. E você também gosta de filmes de comédia e de olhar para o céu a noite. -Ela arregala os olhos e então abaixa a cabeça, encarando as mãos. — Eu sou uma garota de entregas. Motogirl. Apesar de surpreso, balanço a cabeça e continuo em silêncio. — Eu entrego maquiagens — prossegue, parecendo ainda mais triste. — Eu compro e revendo maquiagens e produtos de beleza e entrego na casa das minhas clientes, criei até um aplicativo. Tinha orgulho disso até ainda pouco, pensei que poderia ser CEO do meu próprio negócio algum dia e aparecer em revistas, quem sabe até conseguir terminar a faculdade de administração. — É motivo de orgulho sim. Não deixe que nenhum babaca venha te diminuir e dizer que o que faz não é importante. Ninguém começa de cima, Isobel. Eu mesmo comecei servindo café em um jornal de bairro que sequer existe mais. — Isso é muito gentil, mas eu ainda estou me sentindo uma fracassada e não posso evitar de ficar catalogando tudo o que odeio em meu corpo. Tipo minhas costas. Odeio as gorduras que ficam saltando e aparecendo. Deve ser por isso que ele me enganou. -Sem saber muito o que dizer para que ela se sinta melhor, eu levanto e vou até a geladeira, pegando todas as bebidas alcoólicas que encontro e as trazendo nos braços até a sala, depositando tudo na mesa de centro. — Situações assim pedem medidas drásticas — digo e aponto para as garrafas. — Eu realmente te acho o pior vizinho do mundo, Diego, mas agora com certeza subiu no meu conceito. -Acabo rindo do comentário dela e lhe entrego uma lata de cerveja, pegando outra e a abrindo. — Um brinde ao fracasso — ela diz e bate a lata na minha. — E aos cachorrinhos abandonados na chuva.- Isobel começa a rir, mas eu não deixo de notar as lágrimas se acumulando nos cantos de seus olhos. E logo eu, que jamais soube lidar com garotas chorando, começo a me esforçar para que as lágrimas dela cessem.
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