E assim ele se foi, batendo a porta ao sair. Lila ainda sorria quando a porta abriu e Sandal entrou, jogando uma sacola em seu colo e lhe estendendo a garrafinha de água com gás gelada.
— O que Kemar estava fazendo aqui dentro, você o conhece? – Perguntou Sandal, colocando o cinto e ligando o carro.
— Você o conhece?!
— Sim, ele mora no mesmo prédio que eu.
— Sério? pois então, ele confundiu de carro.
— Ah sim, o carro dele é igual ao meu, da mesma cor, inclusive. Lá vai ele. – Sandal saiu com o carro e Lila olhou para trás, Kemar saía e ela entendeu o motivo de ele ter confundido os carros, o dele estava atrás do de Sandal e eram idênticos. Ao chegarem ao portão e inserirem o tíquete na fenda para liberar a passagem do carro, saíram do estacionamento e pararam no semáforo na rua. Kemar emparelhou o carro com elas e baixou o vidro.
— Olá, Sandal, como está?
— Assustada com sua invasão a meu carro. – Ela gritou em resposta, zoando-o. Pareceu à Lila que ele havia corado, mas não teve como ter certeza da distância que estavam, mas viu que ele estava novamente envergonhado.
— Uma simples distração, minha cara.
— Acontece muito com você, meu caro, lembra-se da última reunião do condomìnio?
— Não, o que houve?
— Saberia se tivesse se lembrado de ir. – Respondeu Sandal ainda em tom de zoação. Kemar colocou uma mão na testa, como se estivesse abismado por ter se esquecido.
O semáforo ficou verde e Sandal acelerou, deixando-o para trás.
— Ao menos bom gosto ele tem para carro, não acha? – Perguntou à amiga.
— Você é muito obcecada por carro, minha querida, mas sim, adoro seu carro.
— Nunca me canso de ouvir, pode sempre dizer isso. Levei meses até me decidir.
— E o que ele faz?
— Faz 9.9 de gasolina por litro, sei que é pouco e não muito econômico, mas pesquisei e o custo benefício, no final das contas…
— Não estou falando do carro. Perguntei do Kemar.
— Ah sim, ele é socorrista, é assim que se fala quando trabalham no resgate?
— Creio que sim.
— Você ficou interessada nele? – Sandal a olhou espantada e sua voz subiu uns decibéis – Sério mesmo, Lila, ele é muito estranho e distraído, não falei aquilo por brincadeira, acho-o tão avoado.
— Claro que não estou a fim dele, mal o conheço. Só fiquei mesmo curiosa,
— Que eu saiba ele não é casado, não sei se tem namorada, mas conheço a mãe dele que sempre o visita e não me lembro de ver mulheres entrando no apartamento dele. Essa sacola aqui aos meus pés me atrapalhando dirigir é dele?
— Nossa, ele esqueceu as compras!
— Não te falei que ele é distraído?
— Talvez seja pelo choque de estar no carro errado, até me agradeceu por não ter gritado.
— Eu gritaria, sem dúvidas se um homem entrasse em meu carro do nada.
— Estávamos no meio de centenas de pessoas, e percebi que devia ser uma confusão mesmo, porque ele nem viu que tinha um passageiro.
— Não sei como pôde não ter percebido um mulherão como você. Precisa vê-lo de farda, puta que me pariu. Se eu não fosse casada, já teria jogado meu charme para ele.
— Muito safada você. Por que a maioria das mulheres têm essa fixação por farda°
— Porque somos humanas, uai, mas que pergunta idiota.
— Acho que sou meio desumana então, porque nunca fui obcecada por homens fardados.
Sandal, que havia parado em mais outro semáforo, olhou para a amiga com um olhar de franco sarcasmo, uma sobrancelha levantada.
— Não é possível que não goste de ver um homem fardado, adoro uma farda e Greg inclusive já se fantasiou de PM para me agradar. Nossa, aquele dia foi intenso.
— Pelo amor de Deus, não queria essa imagem em minha cabeça.
— Adoro! Homens de farda me deixam tarada, seja lá qual for. Até os coletores de lixo me excitam.
Lila soltou uma gargalhada, Sandal tinha umas pérolas que soltava às vezes e sempre a fazia rir.
— Já os viu correndo suados, os músculos expostos, faço questão de ser generosa na caixinha de final de ano e só eu colocava o lixo para fora antes de mudarmos para o apartamento, deixava para colocar quase na hora dos coletores passarem e ia toda rebolativa e sorridente com o saco de lixo na mão, meu Deus, vou atacar o Frank hoje.
Lila ainda ria e pegou a sacola esquecida de Kemar das mãos da amiga, disfarçando a curiosidade de saber o que ele havia comprado, colocou-a no banco de trás.
— Frank usa farda, por acaso?
— E coletores de lixo usam? Sim, devo ter algum problema, sei disso, mas só traço meu garanhão gostoso.
— Traço? ainda existe essa frase ridícula?
— Está mudando de assunto, vamos continuar falando do Kemar, então, ficou a fim dele?
— Não, deixe de ser boba, mal o conheci. Achei-o lindo, mesmo porque, como diz você, sou humana, mas nada a mais que isso. Achei engraçado a forma como ele entrou no carro e ficou super sem graça quando se deu conta do erro.
— É a senhora Magda que sempre vai às reuniões de condomínio no lugar dele, a mãe dele, sabe. Sempre aparece e é muito amável, diz que o trabalho dele não o permite ir a todas e sendo assim, é ela quem sempre vai e passa tudo para ele. Fora isso, não sei mais nada sobre ele, quando nos mudamos para o prédio, acho que ele já estava lá e algumas vezes subi com a Meg e sacolas no elevador e ele estava dentro e me ajudou. Então o coloquei na lista de pessoas legais. Posso arrumar um jeito de se verem.
— Não precisa, obrigada.
— Sei que não precisa, como eu, é uma mulher decidida, mas qualquer coisa, estou aqui.
Entravam no hall do prédio de Sandal ainda conversando, pegaram o elevador e desceram no oitavo andar.
Meg veio correndo quando abriram a porta e se jogou no colo de Lila; sua afilhada de dois anos e meio a amava e não queria descer do colo quando ela ali estava. Frank estava na cozinha e o aroma de temperos que vinha de lá, fez o estômago de Lila roncar.
— Espero que não tenham comido besteiras na rua, estou preparando um Raviolli e não dou conta de comer sozinho. – Frank apareceu na ampla sala, um avental estranho escrito Beijem o cozinheiro que sempre fazia Lila rir.
— Bem capaz de eu comer tudo sozinha, Frank, não se preocupe. – Ela o beijou no rosto e Meg agarrou o pai pelo pescoço.
Meg estava no cadeirão, molho espalhado pela roupa, rosto e cabelos e os três adultos degustavam a massa que Frank fizera e uma taça de vinho, falavam sobre um filme que queria assistir tão logo Meg dormisse e riram quando a pequena começou a bocejar.
Já assistiam o filme a meia hora comendo pipocas, Lila deitada em um sofá, Sandal e Frank abraçadinhos em outro; o filme de aventura não estava sendo dos melhores, o balde de pipoca já quase vazio, quando a campainha tocou.
— Quem pode ser uma hora dessas? – Perguntou Frank, acendendo o abajur ao lado do sofá.
— Alguém do prédio, visto que o interfone não tocou, não atenda, amor, já estou bêbada de sono e detestando o filme.
— Deixem comigo, despacho quem quer que seja e depois vou dormir porque também não estou gostando do filme. – Lila se adiantou antes que eles se levantassem, já estava de pijamas, dormiria ali aquela noite e bocejando foi abrir a porta. Deu de cara com um Kemar muito diferente daquele que invadira o carro mais cedo.
Fardado ele ficava ainda mais bonito.