Pamela pov
Estou sentada na grama, encostada a uma árvore, lendo um livro. Costumava fazer isso em casa, meus pais sempre diziam que aquela área específica do jardim era o " canto da Pamela", fugia para lá sempre que minhas irmãs me irritavam. Estou tão distraída que nem sinto uma presença se sentar ao meu lado, e só o noto quando ouço sua voz.
Henrique: Engraçado... É a primeira vez que te vejo sorrir, esse livro deve realizar algum tipo de milagre.
Não me dei conta que estava sorrindo para uma das páginas, eu e minha mania de interagir com os personagens, mais um pouco e vão me chamar de louca. Fecho o livro como uma defensiva, obviamente marco a página antes, porém toda a minha expressão relaxada vira uma carranca, não consigo me sentir confortável na presença do tal Henrique.
Henrique: Eu quero te agradecer pelas palavras que me disse... Estou falando de coração.
Pamela: Não precisa me agradecer, eu só...
Henrique: Pamela, por favor...
Interrompe o Henrique, sem desviar seus olhos dos meus.
Henrique: Sei que começamos errado, eu fui completamente i****a em ter te falado aquelas coisas e eu queria poder voltar no tempo e mudar isso.
Pamela: Não se pode voltar no tempo.
Henrique: Mas nunca é tarde para se arrepender e tentar mudar, correto?
Após hesitar um pouco, eu concordo.
Pamela: Correto... Mas por que essa mudança repentina?
Henrique: Não é uma mudança repentina, fiquei com isso na cabeça logo após nossa primeira discussão.
E mais uma vez o silêncio tomou conta do local, não sei o que pensar sobre esse arrependimento do Henrique, não consigo confiar nele.
Henrique: Prazer em conhecê-la, colega de quarto da minha irmã... Sou Henrique Duarte, estudante de direito, comecei o curso obrigado pelo meu pai, pois sempre quis fazer arquitetura, mas para o doutor César Duarte, arquitetura é curso de mulher e como eu tenho que ser uma cópia fiel de sua imagem, costumo descontar o meu fracasso em pessoas corajosas, como você.
Não tive como não ceder, de fato eu senti sinceridade nas palavras do Henrique, de fato ele estava abrindo o seu coração comigo.
Pamela: Não se menospreze dessa maneira, nunca é tarde para se correr atrás do que realmente quer.
Henrique: Então está me dando esperanças de ter a sua amizade?
Pamela: Estou te dando esperanças de acreditar em si mesmo e fazer o que realmente tem vontade, sem importar o que pensam os demais... A sua vida quem vive é você mesmo.
Ainda sem desviar os olhos dos meus, o Henrique abre um sorriso de ponta a ponta, esbanjando satisfação pelo que acaba de ouvir.
Henrique: Ainda não se apresentou devidamente.
Pamela: Não tenho o que falar sobre mim mesma.
Henrique: É bem mais difícil falar sobre nós mesmos... Mas deixe-me adivinhar o que você diria... " Sou Pamela Salsa, uma escritora e gosto de colocar estudantes de direito com o ego lá em cima nos seus devidos lugares".
Após deixar escapar um sorriso, rebato quase que no mesmo instante.
Pamela: Não sei se eu diria exatamente dessa forma, talvez você tenha exagerado.
Henrique: Isso saindo dos seus lábios foi um sorriso?
Pamela: Eu apenas mexi a boca.
Henrique: Eu te fiz sorrir, é o primeiro passo para a nossa amizade.
Pamela: Não vá tão rápido, eu ainda estou deixando de te odiar... Não significa que você vai se tornar meu amigo do dia para a noite, está em análise.
Henrique: Não acha que ódio é uma palavra muito forte?
Pamela: Nunca tinha sentido uma antipatia tão forte quanto senti por você.
Henrique: Ódio e amor fazem parte de uma linha tão fina...
Diz o mesmo, com um sorriso levemente malicioso.
Pamela: Está conseguindo me irritar novamente.
Henrique: Então vou parar por aqui, não quero correr o risco de brigarmos.
Não pude evitar sorrir, justamente o Henrique que parecia gostar de me irritar, estava preocupado se iria me irritar ou não.
Henrique: Está sorrindo de novo...
Pamela: Tenho que estudar com as meninas...
Digo, tomando a iniciativa de me levantar do chão, também foi uma forma de mudar o rumo da conversa, ou para ser mais exata, terminá-la.
Henrique: Tudo bem, nos vemos depois?
Pamela: Não tem como ser ao contrário, estudamos na mesma faculdade e sua irmã é minha colega de quarto...
Henrique: Até mais, Pamela.
Pamela: Tchau, Henrique.
Respondo, não de uma forma agressiva, mas sim amigável, acho que dessa vez temos a bandeira da paz levantada. Caminho em direção a biblioteca, com certeza em poucos minutos as meninas estarão chegando.
...
Thom pov
Após o acontecido com a Camila no meu dormitório, prefiro passar o dia isolado dos demais, não sei nem explicar o quanto aquilo mexeu comigo. Sempre a vi como minha irmã mais nova, nos conhecemos de crianças, não aceito sentir essa atração que estou sentindo.
Gustavo: A princesa saiu do castelo... Encontrou algum príncipe encantado?
Brinca o Gustavo, assim que apareço no refeitório. Sem responder a alfinetada do meu amigo, sento-me em uma das cadeiras.
André: Você está se sentindo bem?
Thom: Tive uma enxaqueca forte, mas já estou melhor.
O nome da minha enxaqueca é Camila, e não, ainda não estou melhor.
Thom: Sabem do Henrique?
Gustavo: Deve estar se empenhando para ganhar a aposta.
Thom: Estou com o pressentimento de que isso não vai dá certo.
Gustavo: A garota não precisa saber...
Thom: Tudo um dia se descobre.
Digo, engolindo em seco com as minhas próprias palavras, logo depois.
André: E hoje é o seu encontro com a Sara... Cuidado para não perder a hora.
Diz o André, direcionado ao Gustavo.
Thom: Você e a Sara ainda estão ficando?
Gustavo: Não é nada sério... Sempre que bate aquela vontade de ficar com alguém e não tem ninguém diferente, eu chamo a Sara.
André: E você fala isso com essa tranquilidade? Acha que é certo usar as pessoas?
Thom: Não adianta falar de consciência com o Gustavo, é uma coisa que ele nunca vai entender.
Gustavo: Ih... Os dois agora resolveram me dar lição de moral? Por favor, para isso já tem a minha mãe.
André: Não é lição de moral, você gostaria de ser tratado como um objeto pelas pessoas?
Gustavo: André, cada dia mais eu tenho dúvidas sobre a sua orientação s****l, tem certeza que você gosta de meninas?
André: Pare de falar como se ser gay fosse uma ofensa, Gustavo, não me sinto afetado por isso.
Gustavo: Acha que a Sara também não está só curtindo o momento? Eu não sou nenhum aproveitador de mocinhas, André, eu sempre sou muito sincero em relação ao que eu quero e em relação ao que não, ela fica comigo se quiser.
Thom: Não comecem uma discussão... O meu café ainda não chegou, minha dor de cabeça pode voltar.
Gustavo: Claro, senhorita, o que acha de um remédio e uns absorventes? Não queremos que sofra com a menstruação.
Antes que eu pudesse responder a altura chega o Henrique, acompanhado da Dora, como sempre. Não que o Henrique quisesse andar de casal com a garota para cima e para baixo, mas a Dora gruda pior que carrapato.
Dora: Boa tarde...
Diz a garota, envolvendo os braços na cintura do Henrique, que nesse momento, tem a cara de tédio mais engraçada que já vi na vida.
Gustavo: E como anda o nosso jogador com a aposta?
Henrique: Não quero que me pressione, não gosto de fazer as coisas assim.
Gustavo: Não estou pressionando, só quero acompanhar.
Thom: Se eu fosse você, desistia dessa aposta, pode acabar perdendo a oportunidade de realmente ficar com uma garota que valha a pena por conta das idiotices do Gustavo.
A Dora me fuzila com os olhos. Claro que ela não vai comentar a respeito, pois não tem nada a sério com o Henrique, mas com uma única olhada deixou claro todo o seu sentimento de antipatia por mim, e querem saber? Eu não me importo.
Gustavo: E desde quando mulher vale a pena? Bem melhor garantir a coleção de carros... É inédita e não existe mais.
André: Se você continuar dando ouvidos ao Gustavo, vai acabar quebrando a cara e se arrependendo... E quer saber mais?
Gustavo: Não, não queremos.
André: Estou falando com o Henrique.
Henrique: Diga, André, pode falar.
Diz o Henrique, impaciente.
André: Eu ainda acho que você vai se apaixonar por ela.
A Dora é a primeira a gargalhar, podemos identificar uma mistura de despeito, ironia e deboche, com certeza ela não ficou nada feliz pelo que o André acabou de falar.
Gustavo: Dora, você tem algum amigo para apresentar ao André? Acho que isso é a falta de homem na vida dele.
Ignorando o comentário do Gustavo, assim como o André também fez, toco nos ombros do meu amigo.
Thom: Saiba que eu compartilho da mesma opinião.
A Dora encara o Henrique na esperança de que ele desminta o que o André acabou de falar, mas ele não faz, fica quieto.
Dora: Não me diga que você também acha que vai se apaixonar por aquela mocreia...
Henrique: Dá um tempo, Dora... Isso não é assunto seu, agora se me dão licença, tenho coisas para fazer.
Diz o Henrique, tirando o braço da Dora de perto do seu pescoço, caminhando no sentido oposto ao nosso.
...
Pamela pov
E finalmente acabamos de revisar as matérias de hoje, é muito boa a sensação de dever concluído. Assim que fecho o livro, deparo-me com o Henrique adentrando a biblioteca, mas é claro que ignoro.
Malu: Muito obrigada por terem me convidado... Nunca tive ninguém que me ajudasse com as matérias.
Camila: Todos os dias estaremos aqui, nesse mesmo horário, será muito bem-vinda se quiser aparecer de novo.
Malu: Não vou incomodar?
Pergunta a Malu, olhando para as outras garotas e para mim.
Pamela: Claro que não, como disse a Camila, será muito bem-vinda.
Sara: Amanhã podemos estudar na cafeteria? Eu presto mais atenção quando estou de barriga cheia.
Pamela: Por mim tudo bem.
Ariane: Eu acho que na cafeteria combinaria melhor a partir das seis horas da tarde.
Sara: E o que tem a ver?
Ariane: Pelo horário, lógico... Qual o sentido de ir na cafeteria e não tomar café?
Sara: Amanhã eu respondo isso, agora preciso correr, estou atrasada para o meu encontro com o Gustavo.
Diz a Sara, recolhendo os seus materiais de cima da mesa, não demorando em sumir do nosso campo de vista.
Camila: Bom... Eu tenho algumas coisas do meu armário para organizar, você ficou de me ajudar, Ariane, espero que esteja lembrada.
Diz a Camila, acertando uma cotovelada na Ariane, que estaria bastante concentrada no celular.
Ariane: Claro que estou lembrada, ainda mais porque você prometeu me dar aquele seu cinto maravilhoso.
Camila: Interesseira...
Obviamente as duas estavam brincando, e logo depois da Sara, também saíram da biblioteca.
Malu: Bom... Sobramos nós duas.
Pamela: É... Acho que vou ficar mais um pouco por aqui.
Malu: Eu preciso cuidar de uns papéis da transferência, em pelo menos uma semana pretendo ir para a outra faculdade.
Diz a Malu, com um sorriso amarelo. Levo uma de minhas mãos a tocar a sua, não sei exatamente o que falar em um momento como esse.
Pamela: Sinto muito que precise ir embora, mas entendo que não se sinta mais confortável aqui.
Malu: Eu sempre soube que o Henrique não é o tipo de cara que leve alguém a sério... Mas esperei pelo menos um pouco de respeito, jamais imaginaria que ele e a Dora... Você me entende... Ela é a minha prima-irmã, fomos criadas juntas.
Pamela: Quando gostamos de alguém ficamos cega, Malu, mesmo sabendo a verdade, não queremos enxergar... Eu fui a primeira a não simpatizar com o Henrique quando cheguei aqui, mas eu acho que todo esse comportamento dele tem um porquê.
Malu: Como assim " um porquê?"
Pamela: Não acho que seja a pessoa egoísta e preconceituosa que demonstra ser, depois de nossa briga ele veio conversar comigo para se desculpar e...
Malu: Tome cuidado com ele, Pamela, você é " carne nova", sem ofensas, mas pelo fato de ser mais difícil, é mais interessante a conquista.
Pamela: Eu sei como funciona essa ideia i****a dos homens, sou a filha mais velha e meu pai sempre conversou desses temas comigo... Mas eu tenho quase certeza que esse jeito do Henrique é apenas para esconder a insegurança e insatisfação que ele tem com alguma coisa.
Malu: Não consigo imaginar do que... Estávamos quase há um ano juntos e o Henrique nunca foi de conversar, mas talvez seja isso.
Diz a Malu, ficando de pé, também recolhendo os seus materiais.
Malu: Vou até a diretoria cuidar da minha transferência, te vejo depois.
Pamela: Até mais, Malu... E boa sorte.
Após um meio sorriso, a Malu caminha para fora da biblioteca. Recebo uma mensagem do meu pai, conversamos todos os dias, não é bem uma forma de m***r as saudades, mas pelo menos já serve. Sou surpreendida por duas mãos que cobrem os meus olhos, fico meio desnorteada sem conseguir adivinhar de quem se trata, mas quando levo meus dedos a sentirem a sua pele quente e macia, não sei o porquê, mas só me vem um nome a cabeça.
Pamela: Henrique?
Henrique: Não me diga que também é boa em adivinhações... Existe algo que você não saiba fazer?
Pamela: Construir casas, se soubesse, com certeza já teria feito uma.
Henrique: Posso sentar?
Pamela: A vontade.
Respondo, tentando mostrar indiferença.
Henrique: Estava a procura de livros, mas nunca acho algum bom.
Pamela: O meu pai disse que vem fazer uma palestra por aqui nesse final de semana, você deveria assistir, vai ser útil... Aproveite e peça indicações.
Henrique: Acho que você tem razão.
Pamela: É claro que tenho... Mas e sobre aquilo que conversamos? Já se decidiu?
Henrique: Sobre o meu pai?
Pamela: Unrum...
Henrique: Vou concluir a faculdade, se até lá não conseguir gostar de direito da forma que tem que ser, começarei arquitetura, minha avó disse que me ajudaria.
Pamela: É assim que se fala... Eu sei como é ter medo de decepcionar as pessoas que amamos, mas quem gosta de você de verdade, vai te aceitar como é, e é só uma questão de tempo para o seu pai admitir isso.
Henrique: Engraçado... Te conheço há três dias e já te contei da minha vida o que não tinha dito aos meus amigos que conheço de anos.
Pamela: As vezes nos sentimentos mais confortáveis com estranhos.
Henrique: Você não é estranha, Pamela...
Diz o Henrique, levando sua mão a repousar sobre a minha, de forma discreta.
Henrique: Eu sinto como se já te conhecesse.
Apesar de sentir sinceridade na sua voz, eu recuo, não posso esquecer do que a Malu me falou, e também não posso esquecer de como o Henrique me tratou assim que eu cheguei, a mudança foi repentina demais e em um período de tempo muito curto. Afasto a minha mão, levando-a de volta ao livro que iria começar a ler antes do Henrique me interromper.
Pamela: Bom... Eu preciso ir, até outra hora.
Não espero nem que ele responda, em questão de segundos levanto-me da mesa e recolho o meu material, fugindo das vistas do Henrique.