NARRADO POR HAYD
Perguntas. Exames médicos. Mais perguntas, além de algumas palmadas nas costas por ser um ‘herói’. A próxima hora testou minha paciência como nada antes... exceto a maldita mulher na minha frente.
— Eu disse para você ficar parada. Foi uma instrução simples, Luiza— rosno. A visão dela correndo em minha direção enquanto o atirador ainda estava a céu aberto tinha enviado mais pânico através de mim do que ter uma arma apontada para meu rosto.
Não importa que eu tivesse desarmado o atirador. E se ele tivesse uma segunda arma que eu não vi? O terror passou suas garras pela minha espinha. Eu poderia aguentar levar um tiro. Eu não aguentaria Luiza se machucando.
— Você levou um tiro, Senhor Hayd. — Ela cruza os braços sobre o peito. Sento-me na parte de trás de uma ambulância aberta enquanto ela está diante de mim, teimosa como sempre.— Você já tinha neutralizado o atirador e pensei que fosse morrer.
Sua voz vacila no final e minha raiva se dissipa. Além de meus amigos da Marinha, não consigo me lembrar da última vez que alguém realmente se importou se eu vivia ou
morria. Mas Luiza sim, por algum motivo desconhecido, e não apenas porque sou seu guarda-costas. Eu vi em seus olhos e ouvi
na leve oscilação de sua voz normalmente fria e nítida. E estarei condenado se o conhecimento não me acertou mais forte do que uma bala no peito.
— Estou bem. A bala me acertou de raspão, só isso. Nem foi sob a pele. — Os paramédicos me enfaixaram e estarei como novo em duas ou três semanas. O atirador foi surpreendido e atirou usando o instinto, não a mira. Uma esquiva rápida e eu escapei do que teria sido um ferimento muito mais desagradável no meu ombro. - A polícia o colocou sob custódia médica. Eles ainda estão investigando o que aconteceu, mas pelo que eu descobri, o atirador tinha deliberadamente como alvo o pai da criança. Algo sobre um negócio que deu errado e falência. O atirador estava alto como uma
pipa, a ponto de não se importar em se vingar em um parque cheio de gente.
Felizmente, ele também estava tão chapado que não parava de divagar sobre como o pai do garoto o tinha feito m*l em vez de atirar para m***r.
As ambulâncias levaram o garoto e seu pai há algum tempo. O pai havia sofrido uma grande perda de sangue, mas foi estabilizado e vai se recuperar. O garoto também está
bem. Traumatizado, mas vivo. Eu fiz questão de ver como ele estava antes de partirem.
— Você estava sangrando. — Luiza passa os dedos pela ferida enfaixada, seu toque queimando meus ossos através da gaze.
Enrijeço e ela congela. — Isso doeu?
— Não. — Não da maneira que ela quis dizer, de qualquer maneira. Mas a maneira como ela está olhando para mim, como se tivesse medo de que eu pudesse desaparecer se ela piscasse? Isso faz meu coração doer como se ela tivesse arrancado um pedaço dele e guardado para si mesma.
— Aposto que não foi assim que você imaginou sua noite. — Esfrego a mão no queixo, minha boca torcendo em uma careta. — Devíamos ter ido direto para casa depois da festa.
— Não. Foi uma boa noite até... bem, isso — ela acena com a mão ao redor do parque. — Se tivéssemos voltado para casa, o filho e o pai poderiam ter morrido.
— Talvez, mas eu estraguei tudo. — Não acontece com frequência, mas posso admitir quando acontece. — Minha prioridade número um como guarda-costas é proteger você, não brincar de salvador. Eu deveria ter tirado você daqui e deixado por isso mesmo, mas... — um músculo rola em minha mandíbula. Luiza, espera pacientemente que eu termine. Mesmo com seu cabelo despenteado e sujeira manchando seu vestido de quando eu a empurrei no chão, ela poderia ter se passado por um anjo no inferno fodido da minha vida.
— Quando eu estava no colégio, conheci uma criança. — As memórias se desenrolam como um filme manchado de sangue, e uma familiar lança de culpa apunhala meu intestino. — Não um amigo, mas a coisa mais próxima que eu tinha de um. Morávamos
a poucos quarteirões um do outro e íamos brincar na casa dele no fim de semana. — Eu nunca convidei Travis para minha casa. Eu
não queria que ele visse como era morar lá. — Um dia, fui até lá e o vi sendo assaltado com uma arma bem no quintal da frente. A mãe dele estava no trabalho e era um bairro violento, então essas coisas aconteciam. Mas Travis se recusou a entregar seu relógio. Foi um presente de seu velho, que morreu quando ele era jovem. O assaltante não gostou da recusa e atirou nele ali mesmo, em plena luz do dia. Ninguém, incluindo eu, fez absolutamente nada sobre isso. Nosso bairro tinha duas regras se você quisesse sobreviver: a primeira, manter a boca fechada e a segunda, cuidar da sua vida. - Um gosto acre enche minha boca. Lembro-me da visão e do som do corpo de Travis batendo no chão. O sangue escorrendo de seu peito, a surpresa em seus olhos... e a traição quando ele me viu parado ali, vendo-o morrer. — Fui para casa, vomitei e prometi a mim mesmo que nunca seria tão covarde novamente.
Eu me juntei ao exército para ganhar um propósito e uma família que nunca tive. Tornei-me guarda-costas para me absolver
de pecados que jamais poderia limpar. Vidas salvas em troca de vidas tiradas, direta ou
indiretamente.
— Não foi sua culpa — diz Luiza — Você era uma criança também. Não havia nada que pudesse ter feito contra um atacante armado. Se você tivesse tentado, poderia ter morrido também. - Lá está. Outro obstáculo na palavra morrer. Luiza desvia o olhar, mas não antes que eu perceba o brilho suspeito em seus olhos. Cerro e abro meus punhos. Não faça isso. Mas eu já tinha fodido várias vezes esta noite. O que é mais um erro?
— Venha aqui, minha linda. — estico um braço. Ela entra e enterra o rosto no meu ombro não ferido. É o mais vulnerável que
estivemos na frente um do outro desde que nos conhecemos, e isso quebra algo dentro de mim. — Está tudo bem — dou um tapinha desajeitado no braço dela. Sou péssimo em confortar as pessoas. — Acabou. Todo mundo está bem, exceto o i****a com a arma. - Sua risada sufocada vibra pelo meu corpo.
— Isso é uma piada, Senhor Hayd?
— Uma observação. Eu não faço…
— Piadas — ela termina. — Eu sei. -Ficamos sentados na parte de trás da ambulância por mais um tempo, observando a polícia isolar a cena do crime enquanto tento conter a p******o feroz que cresce em meu peito. Eu protejo todos os meus clientes, mas isso é diferente. Mais visceral. Parte de mim quer empurrá-la para longe de mim, e outra parte quer arrastá-la em meus braços e mantê-la como minha. Exceto que eu não posso. Luiza é muito jovem, muito inocente e muito fora dos limites, e será melhor eu não me esquecer disso.