Ciúmes? Eu?

3025 Words
Assim que o amigo foi embora, Cristina voltou a se deitar e acabou dormindo por mais algumas horas. Acordou animada, pois se lembrou imediatamente que era sábado e toda semana neste dia, Rick e ela combinaram de tirar o dia só para os dois, para fazerem coisas das quais gostavam ou apenas para conversar. Richard ou Rick como era acostumado a ser chamado desde criança, era o seu melhor e único amigo desde a infância. Cresceram e estudaram juntos, compartilharam momentos bons e ruins e também confidenciaram um ao outro os segredos mais íntimos. Depois do pai, o amigo era o seu maior confidente, sabiam tudo um da vida do outro e eram extremamente ligados. Eram até mesmo capazes de saber o que o outro estava pensando. Sim, isso é mágico.  O encontro aos sábados já havia se tornado uma tradição para ambos. Cristina se levantou ainda um pouco sonolenta, e olhou seu reflexo no pequeno espelho da penteadeira. Nem se lembrava mais dos pensamentos ruins que atormentavam sua mente na noite passada. Vestiu um jeans e uma camiseta, penteou o longo cabelo preto, nunca foi muito ligada em aparência como a irmã, que passava horas arrumando o cabelo e se maquiando. Se olhou novamente no espelho. Parece bom, pensa. Até porque só está indo na casa de seu melhor amigo, não é preciso tanta arrumação. Quando desce para tomar café, os pais e a irmã já se encontravam ao redor da mesa, conversando sobre o ocorrido da madrugada. Se surpreendeu ao constatar isso, visto que não havia muita interação em família. Chris não se importava, mesmo porque a única pessoa com quem gostava de conversar naquela casa, era o pai. ― Bom dia. ― cumprimentou, se servindo de café. Apenas o pai lhe respondeu. Que novidade, pensou Chris. ― Então quer dizer que "aquele" seu pai amigo conseguiu mesmo curar o cavalo? Não sabia que ele era veterinário. ― falou a mãe a Cristina, m*l humorada. ― Sim, ele conseguiu. Ele o medicou e o animal já está bem. E não, Rick não é veterinário ainda, ele está no terceiro ano do curso, mas o considero muito competente. ― respondeu. ― Com certeza, ele é. ― falou o pai ― Eu não escutei nada ontem a noite. Dormi feito uma pedra. ― falou Flora. É sério? nem percebi, pensou Chris. Mas achou melhor manter-se calada. ― E você onde vai já de manhã? ― quis saber a mãe, levantando a sobrancelha direita em uma demonstração de desconfiança. Cristina nem teve tempo de responder. ― Aposto como ela está indo se encontrar com o nosso vizinho, aquele que se veste como cowboy. ― se intrometeu Flora. ― e agora o herói dos animais. ― completou rindo. ― Não seja ridícula. E não deveria apostar coisa alguma, está perdendo o seu tempo. Porque não é novidade para ninguém que Rick é o meu melhor e nos encontramos todos os sábados. E não fale de mim na terceira pessoa, eu estou bem aqui. ― respondeu Chris, irritada. Flora não satisfeita em irritar a irmã logo de manhã, decidiu provocar um pouco mais: ― Vi ele outro dia na cidade conversando com a filha do dono da farmácia. Cristina tentou manter o rosto inexpressivo. Nunca iria admitir que ficou abalada com o que ouviu, sabia estar sendo provocada. Jamais havia visto o amigo com uma menina, embora soubesse que ele já tinha estado com algumas mulheres, isso nunca a incomodou. Até aquele momento. Ele nunca tinha namorado, se ele estivesse com alguém ela saberia, tinha certeza. ― Não me importo com quem Rick conversa. Como já disse, somos amigos. ― falou Cristina, tentando por fim a conversa que já estava ficando desagradável. ― É melhor assim. Você não teria a menor chance, ele é lindo e você nem ao menos sabe se arru... ― CHEGA FLORA. ― explodiu o pai. ― Não quero mais ouvir nenhuma palavra. Deixe sua irmã em paz pelo amor de Deus. Flora ficou lívida com a reação do pai e não conseguiu mais dizer nada. A mãe, que até então havia se mantido calada, saiu em defesa da filha mais velha. ― Eu não vejo razão para tanto barulho. Flora não disse nada demais. Falou apenas a verdade. Henrique suspirou cansado, discutir com a mulher era batalha perdida, além de ser desgastante. ― Se você acredita nisso Lilian, é porque não educou direito essa menina. ― respondeu Henrique indicando Flora com a cabeça. Lilian abriu a boca em surpresa, tentando encontrar palavras para responder ao marido. Cristina percebeu que precisava intervir. ― Pai, não quero que se estresse ou briguem por minha causa. Não faz bem para a sua pressão. Não dou a mínima para as palavras maldosas de Flora. Já estou acostumada. ― falou, se levantando. Preciso ir, já estou meia hora atrasada. Rick e eu combinamos de fazer várias coisas hoje. ― falou ela com um sorriso de provocação, direcionado a irmã. Rick estava sentado nos degraus da varanda, quando Cristina chegou montada em seu cavalo. Ele se levantou para recebê-la. Estava linda como sempre, com os cabelos soltos e aquele chapéu que ela não tirava nunca. Será que ela tem noção disso? pensou ele. ― Desculpe a demora, Flora ficou me perturbando no café. ― falou Chris. ― Pensei que não vinha mais, estava quase ligando para sua casa para saber se havia acontecido alguma coisa. ― falou ele. Sempre se preocupando a toa, pensou Chris. Ela não tinha celular, não era muito chegada em tecnologia, como a irmã. O único telefone que possuía era o fixo em casa. Mas já estava pensando em comprar um, caso fosse mesmo morar fora, iria precisar para se comunicar com a família e com Rick. ― Não seja tão dramático! ― disse ela rindo. ― Só me atrasei meia hora. ―  Para mim é uma eternidade. ― disse ele brincando. ― Sei. ― respondeu divertida. Rick era  três anos mais velho que Cristina, era alto  e tinha os cabelos escuros e olhos incrivelmente azuis (na opinião de Chris). Possuía um bom porte físico, devido ao trabalho braçal que a propriedade da família exigia. Era o filho mais novo, seu irmão mais velho Eric estudava medicina  e morava na capital, mas vinha de quinze em quinze dias visitar a família. Os dois eram donos de personalidades distintas, mas mesmo assim eram muito unidos. ― Foi uma noite e tanto, heim? ― falou Rick sentando-se na escada da varanda e batendo com a mão ao seu lado para que Cristina se sentasse também. ― Nem me diga. Eu estava muito cansada, imagino que você também, já que te acordei no meio da noite. Consegui dormir mais algumas horas depois que você foi embora. E você voltou a dormir? ― Não, não consigo mais dormir depois que desperto. Você por acaso deu uma olhada no cavalo hoje de manhã? ― perguntou. ― Sim, ele está bem melhor. Obrigada novamente Rick. ― Imagina. De repente Cristina se lembrou do que a irmã havia falado a mesa do café e sentiu uma necessidade enorme de tirar a história a limpo, de confirmar. Precisava saber a verdade. Precisava saber se o amigo estava envolvido com alguém e se estivesse, porque ela ainda não estava sabendo disso. E pior ainda: porque ela tinha que ter ficado sabendo pela inconveniente da Flora? Quase não conseguia respirar. Tinha que perguntar. ― Não gosto de parecer intrometida, mas minha irmã comentou que viu você na cidade outro dia... com uma moça. Nossa como era difícil fazer isso. ― Sério? ― perguntou Rick. Ele vai negar, por favor negue, negue, negue. Talvez seja tudo invenção da invejosa da Flora. Só podia ser. Ele vai negar. ― implorou Chris internamente. ― Eu não vi sua irmã. A menina que eu estava conversando era a Clara. ― d***a de vida ― filha do dono da farmácia. Você conhece? ― perguntou Rick inocentemente. Um turbilhão de sentimentos lutavam dentro de Chris. O que tinha feito para merecer isso, pensava. O que? E porque estava se sentindo assim? Isso era ridículo. ― Clara? Não estou lembrada... acho que não conheço, não. Pera ai! é aquela que tem cabelos ruivos? ― perguntou Chris pestanejando. ― Sim, é ela mesmo. ― respondeu. Ah! Que ótimo. Se era a mesma que estava imaginando, ela era perfeitamente perfeita. Porque isso importava para ela afinal? Eram apenas amigos e sempre seria assim. ― E posso saber sobre o que falavam? Mas se não quiser contar tudo bem... ― Meu Deus, estou indo longe demais, pensou Chris. Ele vai achar que estou com ciúmes. Ela se apavorou. ― Posso contar tudo o que quiser saber, Chris. Não conversamos sobre nada importante. Não estamos tendo nada, se é isso o que quer saber. Você seria a primeira a saber se eu estivesse com alguém. Só estávamos falando sobre nossos cursos na faculdade, ela contou que vai começar o curso de Odonto no semestre que vem. E por coincidência é na mesma faculdade que a minha, doido não é? ― falou sorrindo sem graça. Muito, muito doido. Uma coincidência imensa. Estou até espantada com tanta coincidência. Pensou Chris. E como assim ela está sorrindo? está sorrindo sem graça por falar nela? d***a! ela estava no auge da loucura. Era melhor esquecer tudo isso. ― Na mesma faculdade que a sua? legal... ― respondeu Chris, nem um pouco interessada no assunto.  O silêncio que se seguiu foi constrangedor. Felizmente Rick percebeu a tensão no ar e decidiu mudar de assunto. ― humhum. ― pigarreou. ― Então Chris, já pensou a respeito da faculdade? Vai enviar sua inscrição? ― perguntou. ― Andei refletindo sobre isso. Conversei com meu pai também sobre o assunto. Às vezes tenho vontade de esquecer tudo isso, sabe? Outras vezes só queria ir embora logo. ― respondeu Chris pensativa. ― Desistir você não pode. Precisa tentar. Nunca desistiu de nada na sua vida, é a pessoa mais corajosa e determinada que eu conheço. Já pensou se você consegue a admissão? Eu iria ficar super orgulhoso da minha irmãzinha. Embora, eu vá sentir muita saudade quando você for. Mas quero que você realize seus sonhos. ― disse Rick sorrindo. A palavra "irmanzinha" a machucou e Cristina não soube o porquê e sinceramente não queria saber. ― Isso seria demais mesmo. Mas eu teria que ir embora daqui, deixar minha família e mesmo minha mãe e minha irmã sendo da forma como são, eu as amo. São a família que tenho. E também temos o trabalho na fazenda, preciso ajudá-los. ― desabafou Cristina. E teria que deixar você ― quis completar, mas não o fez. ― Eu entendo, mas sua família dará um jeito. Seu pai é forte e sei que ele quer o melhor pra você. ― É claro que sim, sei que tenho total apoio do meu pai, mas não diria o mesmo sobre a minha mãe. Sabe Rick, ela é estranha comigo, me trata diferente da forma com que trata Flora. ― contou Chris. ― Você já tinha me falado sobre isso antes. Eu sinceramente não entendo porque Dona Lilian age assim. ― As vezes penso que deve haver um motivo para isso. Um forte motivo, Rick. Você não acha? ― Eu não sei, Chris. Mas se houver, sei que você não vai descansar até descobrir. Se sua mãe estiver escondendo alguma coisa, virá à tona. Ninguém consegue guardar segredos até o fim da vida. ― assegurou. ― Eu vou descobrir, preciso fazer isso para entender essa relação conturbada que tenho com ela. ― Eu não tenho dúvidas disso. ― disse Rick abraçando Chris. Cristina descansou seu queixo no ombro do amigo. Gostaria de ficar assim para sempre. Segura dentro do seu abraço. Assim permaneceram por alguns minutos. Rick é  realmente uma pessoa muito especial. O melhor amigo que alguém poderia ter. Ela se considerava tão sortuda por ter ele sem sua vida. No entanto, intimamente sentia que algo dentro dela havia mudado em relação a essa amizade. Ainda não sabia o que era e estava com medo de saber. Sentiria muita falta dele quando fosse embora. Afinal, era uma parte de seu coração que ficava. Cristina  e Rick estavam  tão distraídos que nem perceberam o irmão deste último se aproximar. ― Uhum. Interrompo? ― Cristina ergueu a cabeça que mantinha sob o ombro do amigo e se deparou com Eric parado em sua frente. ― Eric! Oi! Como você está? ― disse Cristina abraçando-o com entusiasmo. ― Eu estou bem, obrigado. Desculpa por interromper o momento íntimo de vocês. ― disse ele sorrindo. Se tinha uma coisa que o irmão de Rick sabia, era fazer brincadeira com tudo. Eric era um pouco mais baixo do que Rick, possuía os músculos menos desenvolvidos, tinha um espesso cabelo loiro e olhos verdes, ao invés de azuis como eram os do irmão. Cristina riu, já estava acostumada com o humor de Eric. ― Não está interrompendo nada, não se preocupe. ― Tudo muda, menos as bobagens que saem da boca do meu irmão. ― disse Rick, mas achando graça na situação. ― Nossa! ― disse Eric, avaliando Cristina dos pés a cabeça com os olhos ―Você tá mais linda do que nunca, Chris. Qualquer dia desses eu roubo você pra mim. ― disse Eric, brincando. Rick franziu o cenho. ― Eu bem que gostaria de ser raptada por você. ― respondeu Chris entrando na brincadeira. ― Que conversa esquisita é essa? ninguém vai roubar ou ser roubado por ninguém aqui, porque eu não vou permitir. ― Fingindo estar zangado, mas na realidade não estava mais achando graça na brincadeira do irmão. Eric levantou as mãos em sinal de rendição. Cristina riu. ― Tudo bem, irmão. Não queremos te contrariar, não é mesmo Chris? ― disse ele, piscando para ela. Rick percebeu e não gostou, mas manteve-se quieto dessa vez. Não sabia porque estava se sentindo tão irritado, se seu irmão sempre foi daquele jeito e sempre fazia esse tipo de brincadeira com Chris. ― Quando você chegou? ― perguntou ela a Eric. ― Cheguei de manhã cedinho, queria passar mais tempo com a minha família. ― Faz muito bem, Eric. ― E não é? e de brinde ainda revi a moça mais linda da região. ― disse, sedutor. Cristina achou o comentário engraçado e soltou uma gargalhada. Não conseguia se zangar com as piadas de Eric, o conhecia desde criança, embora não fossem tão próximos como ela era de Rick. Rick, por sua vez não achou graça alguma e revirou os olhos em reprovação, mas apenas Cristina percebeu. ― Bom. Eu vou indo. Foi muito bom te ver, Chris.  ― Igualmente, Eric. Cristina ficou observando enquanto ele se afastava, pensava em como Eric era parecido com Rick e ao mesmo tempo tão diferente. Aliás, ele também era lindo de morrer. Contudo, ele não era Rick. ― Tudo bem, Chris? ― Rick mantinha os olhos fixos nela, com um misto de irritação e desconfiança. Cristina havia ficado tão hipnotizada pela beleza de Eric, que m*l ouviu Rick falar com ela. ― Chris? ― sua voz saiu cheia de indignação. Cristina se voltou para ele, assustada. ― Sim? o que foi? ― disse um pouco confusa. ― Não ouviu o que falei? ― Não, me desculpa. Eu estava um pouco distraída. Rick arqueou as sobrancelhas. ― Distraída olhando pro meu irmão? ― disse ele irritado. Cristina o olhou como se tivesse sido pega no flagra, e ela foi mesmo. ― O que?! Não! Qual o problema? ― Chris, acho que você precisa limpar o canto da sua boca. ― falou ele, fazendo o gesto de limpar o canto da boca com o polegar. ― Porque? ― perguntou ela, tocando inocentemente o canto da própria boca. ― A sua baba está escorrendo. Você estava babando pelo Eric. Cristina arregalou os olhos. Ela não estava babando por ele. Só estava... digamos, admirando. Irritada o empurrou de leve. ― Seu i****a. Não estou babando por ninguém. Rick se divertiu com a reação dela e riu alto. ― Ah, é mesmo? então, o que você tava fazendo? contando os passos que ele estava dando? ― Claro que não. Eu só estava reparando o quanto vocês dois são parecidos. Só isso. ― disse ela, tentando se defender. Mas Rick não se convenceu. Sua expressão ficou séria de repente. ― Não sabia que você era afim dele. ― De quem? ― Chris se fez de desentendido. ― Como de quem, Chris? do Eric, meu irmão, é claro! ― disse ele, surpreso pelo seu tom de voz ter saído mais exasperado do que ele pretendia. ― É claro não, Rick. Eu não sou e nem nunca fui afim do Eric. De onde você tirou isso? ― Cristina não entendia porque o amigo estava tão irritado. ― Porque você tava secando ele... ― Ei! calma! Eu não estava secando ele. Por que você está tão irritado?  ― Eu não estou irritado. ― Está sim. O que foi? Rick se calou. Estava se sentindo um verdadeiro i****a. Nem ao menos sabia porque estava se sentindo assim. Será que estava com ciúmes de Chris? Não. Não mesmo. Nem pensar. ― Não foi nada, Chris. Esquece isso. me desculpa por levantar a voz pra você. ― disse ele amenizando a expressão. ― Te desculpo se me desculpar por xingar e bater em você.  Cristina conseguiu arrancar um sorriso tímido do amigo. ― Agora sim! Gosto de ver você sorrir. Você fica mais lindo ainda quando sorri. ― dessa vez foi ela que ficou sem graça. ― Você é linda o tempo todo. ― disse ele alargando o sorriso. Cristina clareou a garganta. ― Já que entramos em um consenso que somos o casal de amigos mais lindo desse lugar ― disse ela brincando ― que tal eu ganhar de você mais uma vez? E aí? Topa apostar corrida comigo? ― Cristina estendeu a mão para ajudar Rick a se levantar ― Mas já aviso que o Amuleto está mais veloz do que nunca. Rick riu. ― Vamos ver se a sorte estará do seu lado hoje. ― disse ele. ― E quem disse que preciso de sorte?
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