De Repente II

1980 Words
— Eu quero tanto arrancar cada pedaço de pele daquele porco nojento!! — Camille esbraveja, sem parar para respirar. — Calma, Camille. Não podemos fazer nada com raiva. — Respondo com a voz ainda mole, enquanto a mesma passa a esponja sobre meu corpo esguio, embaixo do chuveiro. — Ele não podia ter feito isso com você, não podemos deixa-lo impune. Precisamos denunciar, Alice. — Não quero denuncia-lo, ninguém irá acreditar em mim. — Respondo friamente. Joseph era filho do Senador, seria impossível acreditarem na palavra de uma órfã. — Dane-se, não me importa de quem ele é filho ou a calça mais brega que tem no armário, vamos pela manhã até a delegacia e iremos contar o que aconteceu. — Define, pegando uma toalha e pondo sobre mim. — Vem, deite-se aqui. — A mesma me veste com uma camisola, ajudando eu me deitar na cama e cobre-me, beijando levemente minha testa. — Ei, Cami...essa, foi a minha primeira vez, sabia? Era para ter sido especial, como vemos nos livros e filmes de romance, mas, nem mesmo me lembro direito do que aconteceu. — Confesso, voltando a chorar e Camille me abraça, se deitando ao meu lado. — Vai ficar tudo bem, nós vamos ver aquele desgraçado preso, ele não irá machucar mais ninguém. — Sussurra acariciando os meus cabelos. Pela manhã, Camille conversou com sua mãe sobre o que havia acontecido e levaram-me até a delegacia. Coloquei um jeans e blusa segunda pele, pus minha bota cano curto e Camille prendeu meus cabelos em um coque ajeitado. Caminhamos lentamente, chegando até a entrada da sala do delegado. — Com licença, viemos fazer uma denúncia. — Penélope, mãe de Camille diz ao aproximar-se do homem que assente, nos chamando para entrar. — Podem se sentar, quem é a vítima? — Pergunta, sem tirar os olhos de alguns papéis a sua frente. — É a amiga de minha filha, ela se chama Alice Durant. — A mulher diz, apontando para mim. O tal homem me observa de cima a baixo, mesmo eu estando sentada. — Tá, o que aconteceu? Brigou com o namorado? — Indaga de forma irônica e começo a me sentir arrependida por estar ali. — Ela foi abusada pelo namorado, meu senhor. — Camille o responde no mesmo tom. — A é? Pelo namorado? Entendi...já tinham tido relações antes? — Não, senhor. — Murmuro, cruzando meus braços, tentando esconder a vergonha que sentia. — Costumavam se beijar de forma intensa? Você se insinuava para ele? — Interroga e o olho sem entender o porquê de tais perguntas. — Delegado, essa não é a questão aqui, minha amiga foi violada quando estava bêbada e sem poder reagir. — A é? Estava presa os braços e pernas? — Questiona novamente, como se houvesse decidido que eu não era a vítima. — Que roupa usava, no momento em que aconteceu? — Vamos embora, por favor. — Sussurro para Camille, sentindo meu rosto queimar. — Não, Ali! Nós vamos ficar e este homem irá chamar o Joseph Laurent aqui! — Joseph Laurent? Filho do Senador? Por que ele namoraria com uma garota como você? Olha, se está aqui para cometer algum perjúrio, melhor que vá embora. — Fala por fim. Levanto-me saindo daquele lugar e Camille corre atrás de mim, junto de sua mãe. — Eu disse a você, ninguém irá acreditar em mim! Me fez vir até aqui, não imagina a vergonha que estou sentindo. Se eu não tivesse ido até a casa do Joseph, nada disso teria acontecido!! — Exclamo sentindo uma enorme culpa crescer em mim. — Ei! Escuta aqui, amiga. — A mesma põe as mãos em meu rosto, limpando as lágrimas. — Você não tem culpa nenhuma, o monstro dessa situação toda é o Joseph! — Nós não vamos conseguir prende-lo, entende? A justiça deste país inteiro está nas mãos do pai dele. — Mas, a justiça de Deus não está e ela virá e fará esse monstro pagar por toda dor que lhe causou. — Não sei se Deus está interessado em ser meu advogado, por agora, Camille. — Bufo decepcionada e irritada com todos os recentes acontecimentos. — Alice, eu sei que ainda está chocada com o que aconteceu, mas ligaram do hospital e disseram que o corpo do seu pai está pronto, para o velório. — Penélope se aproxima, com o telefone celular em sua mão. — Viu? Não sou a filha preferida. — Forço um sorriso, caminhando em direção ao ponto de ônibus, pois nem mesmo sabia quando poderia pegar um táxi novamente. Desço em frente a minha casa, subo as escadas e entro rapidamente embaixo do chuveiro, deixando que a água quente caia sobre meu corpo, enquanto o esfrego fortemente com as mãos, na tentativa de limpar uma sujeira que ia muito além do meu exterior. Há cada momento as memórias se tornavam mais claras em minha mente, fazendo com que eu me lembre do que Joseph fizera a mim na noite anterior, ele riu a cada momento, zombando de como eu estava frágil e sem reação. Confesso, nunca fui o tipo de garota romântica que pensava em uma primeira vez mágica, com pétalas de rosas e sons melancólicos, mas, o mínimo que esperamos é estarmos consciente e vivermos uma relação consensual, eu esperei por isso e infelizmente, não tive a oportunidade. Procuro em meio as variadas roupas de cores escuras, em meu guarda roupa e agradeço por preto ser a minha cor preferida. Coloco um jeans, blusa e jaqueta de couro todos na cor preta, prendo meus cabelos e desço as escadas ainda de meias, pois minhas botas estavam na sala. Ao descer paro levemente no meio do caminho, ouvindo vozes conhecidas discutindo. — Daniel, esse não é o melhor momento. Vamos esperar que tudo isto passe. — Camille diz, caminhando de um lado para o outro na cozinha. — Não existe um "melhor momento", se ela descobrir de outra forma será pior, Camille. — Sussurra, segurando a moça nos braços. — Por favor, vamos esperar. A Alice já passou por tantas coisas nestes dias. — Se afasta, abaixando a cabeça. Percebendo que Camille iria contar o que acontecera entre Joseph e eu, desço rapidamente para que desse a impressão de que não os ouvira. — Dani, oi... — Murmuro e o mesmo sorri, vindo em minha direção, enquanto Camille me olha como se escondesse algo. — Jujuba, eu sinto tanto pela sua perda. — Abraça-me forte e retribuo. Eu entendia que Daniel sentia por mim, mas, não pelo meu pai, já que nunca foram muito próximos um do outro. — Obrigada, está sendo tão difícil. Se eu tivesse o impedido de ir para aquele lugar, poderia ter aceitado o convite do papai para jantar. — Volto a chorar, não conseguindo me segurar. — Não diga isso, Remy entendia que o trabalho dele era algo perigoso e outra, muitas pessoas foram salvas, pelo gesto dele. — Força um sorriso, voltando a me prender em seus braços. Eu entendia, que era bom ter sobreviventes, só não compreendia o porquê de meu pai não poder ser um deles. — Precisamos ir, o cortejo sairá às dez horas. — A garota das pernas curtas, informa timidamente. Eu sabia que ela escondia algo, Camille nunca soube mentir muito bem, mas, se era o que estava pensando, então, havia se aprimorado consideravelmente. — Vamos pegar um táxi, para que não precise andar de ônibus. — Daniel fala e discordo, seguindo em direção ao ponto. — Não quero que gaste comigo, sei que a situação no Brasil está difícil. — Respondo e o mesmo me puxa, acenando para um táxi que para em nossa frente. — Permita que seu irmão cuide de você, porque precisa ser tão do contra? — Indaga e reviro os olhos, sentando-me no banco traseiro ao lado de Camille que sorri. — Pode dizer a ele, que queremos ir ao cemitério? — Au cimetière s'il vous plait. — Digo ao taxista, que assente virando a rua e nos levando até o meu último encontro com o único homem que um dia me amou. . . . — Senhorita Durant, meus pêsames. — O coordenador de toda a policia, aproxima-se de mim, dando leves beijos em minhas bochechas. — seu pai, foi um exemplo para nós e todos que ainda virão. — Fala e sorrio, agradecendo em silêncio. Muitos amigos de meu pai vieram, pois ele era muito amado por toda comunidade policial. — Remy, não será lembrado por sua morte, mas, sim pela grandiosa vida zelando e cuidando de todos em nossa maravilhosa cidade, somos gratos a ele por seu trabalho incansável e pela bondade que havia em seu coração. — O senhor de cabelos brancos e bigode, fala, enquanto os soldados cobrem o caixão de meu pai com a bandeira da França e tocam instrumentos em sinal de respeito. — Jujuba, gostaria de dizer algo? — Daniel sussurra em meu ouvido e discordo, não por desgostar de meu pai, mas, por sentir em meu coração que deveria ter falado com ele quando estava vivo. — Eu só quero ir embora, por favor. — Abaixo minha cabeça e meu irmão e amiga concordam, seguindo comigo para fora daquele lugar. — Senhorita Durant, poderia lhe entregar algo? — Uma senhora baixa, cabelos curtos e ondulados, sorri, tocando meu ombro, fazendo meu corpo tremer. — Desculpe, não lhe conheço. Poderia me privar de mais dor, se possível. — Respondo, desejando sair dali o mais depressa possível. — Não irá demorar, acredite em mim. — Fala e me dou por vencida. Daniel e Camille seguem para longe, enquanto me sento junto da mulher em um banco de madeira, que havia embaixo de uma grande árvore. — Sou da funerária, encontramos essa carta no bolso de seu pai, acredito que pertença a você. — Entrega-me um envelope, escrito "Jujuba". Este era um apelido que fora escolhido por minha família, para usarem quando estivessem calmos, já que "Aliceeee!!" era forte demais e parecia estar gritando, todas as vezes que me chamavam. — Obrigada, de verdade. — Sorrio, levantando-me e sou tocada por ela novamente. — A senhora tem algo mais, para me dizer? — Sim, eu tenho. Sei que pode parecer maldade lhe dizer isto agora, mas, Deus não se esqueceu de você, Alice. Ele entende a sua dor e também sente ela contigo. — Eu espero que esteja mesmo doendo muito nele, da mesma forma que dói em mim. — Respondo rispidamente, começando a caminhar. — Ele sabe o que aconteceu ontem...Disse que sente muito, não queria que tivesse sido dessa forma. — A mulher fala e retorno para ela, sem entender o que dizia. — A senhora não sabe nada sobre mim, não vê que estou sofrendo? Como tem coragem de usar minha dor, para fazer propaganda do seu Deus?! — Ele não precisa que eu faça propaganda, Jesus não está a venda, foi ele quem te comprou. Mas, me escute...você receberá um presente, para cobrir essa dor. — Que presente? A morte dolorosa do maldito que me causou mal? — Indago rindo de forma irônica. A tristeza havia se tornado raiva, ao ouvir aquela mulher falar comigo como se soubesse o que meu coração sentia. — Não deseje a morte á ninguém, mas, sim a justiça, pois ela pode transformar. Quando receber este presente, se lembrará de mim e tomará a decisão certa do que fazer. — Termina de dizer, caminhando de volta para o fim daquele enorme jardim. Busco forças em meu ser, limpo minhas lágrimas e sigo aos dois, que me aguardavam. — O que está acontecendo? — Questiono indignada, ao ver Daniel beijar levemente os lábios de Camille, que o abraça em seguida. — Alice, eu...eu posso explicar. — Camille aproxima-se e me afasto, sentindo-me mais uma vez enganada por quem mais confiei. *Este Livro contém temas sensíveis. Se cuidem! ❤
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