Em meus vinte anos, tive apenas um encontro com a morte, quando meu gato "Hello Kity" morreu. Eu tinha seis anos, Mateus e eu fizemos um enterro com direito a musical e ração de gato, aquele fora o dia mais doloroso de toda a minha vida, até hoje. Ao ver minha mãe deitada sobre uma maca, sendo carregada para a sala de cirurgia por um caso de Hepatite á muito tempo descoberto por ela e escondido de mim.
- Foi minha culpa, se eu não tivesse ido para aquele concerto i****a! - Grito de forma desesperada.
- Lisa, você não é culpada de nada, fora uma escolha da sua mãe não lhe contar.
- Diz tentando acalmar-me.
- Elisa Monteiro. - Um jovem médico surge na sala de espera de um posto público.
- Sou eu, como minha mãe está? - Pergunto temendo pelo pior.
- Eu sinto muito, Elisa. Tentamos de tudo, mas, o fígado de sua mãe estava completamente destruído. - O rapaz diz e sinto uma apunhalada em meu coração.
- Como assim? - Mateus pergunta e olho para o doutor, aguardando uma resposta.
- Ela tinha Hepatite B, já faz um tempo, mas, o caso realmente piorou hoje a tarde. - Fala e me ponho á chorar. Minha mãe morria sozinha, enquanto eu vivia um sonho idi0ta.
- Elisa, não foi a sua culpa...coloque isso em sua cabeça. - Ouço ao longe a voz de Mateus.
- Mateus, eu preciso ficar sozinha.
- Respondo caminhando para fora do hospital.
- Elisa, por favor...espere, não faça nenhuma besteira, fique comigo! - Exclama e saio correndo em direção a qualquer lugar mais longe dali. Corro em direção a padaria, onde tinha as chaves. Abro a pequena porta e adentro, buscando ali quem sabe um refúgio para chorar em paz.
- Ah Henrique, você não é tão bonzinho assim. - Ouço uma voz conhecida vir da cozinha, sigo até lá encontrando Suellen e Henrique em peças íntimas sobre a mesa, onde se preparava os pães.
- Ah meu Deus, que nojo! - Digo vomitando e o casal me olha assustados. Corro rapidamente para fora, sendo puxada pelo rapaz que havia me beijado e se declarado pela manhã.
- Elisa, não é o que está pensando... - Fala de forma clichê e acabo rindo.
- Não importa, Henrique. Você...faz as coisas com quem quiser. Agora, em cima da mesa de pão?! - Grito no meio da rua e o mesmo põe a mão em minha boca.
- Fala baixo, vai acordar todo mundo. Você não me quis, eu realmente gostava de ti.
- Diz e começo a rir ainda mais. Até hoje não sei o porquê de ter rido tanto, se realmente queria chorar.
- Sério, não sei quando o amor se tornou tão supérfluo, cara me dá um tempo! - Grito mais uma vez, simplesmente porque estava precisando daquilo. Saio caminhando á cambalear de um lado pro outro, seguindo para minha casa, onde ando até o quarto onde mamãe fora encontrada morta. Ajoelho-me no chão chorando mais uma vez, por apenas alguns segundos até encontrar várias garrafas de bebidas embaixo da cama.
- Ah não, mãe...por quê?
{...}
- Lisa, acorde. - Mateus sussurra, próximo de meu rosto. Levanto rapidamente, voltando a deitar, pois minha cabeça estava rodando. - Foi você quem bebeu toda essa bebida? - Pergunta e olho pro chão, onde estão todas as garrafas vazias.
- Talvez...ou deve ter sido minha mãe, acredita que ela era alcoolotra? Onde eu estava que não vi isso, emmm? - Ironizo me levantando.
- Espere, sente-se aí...vou pegar um copo com água para você. - Me sento no sofá e Mateus traz um copo de água fria, para que eu beba.
- Sabe Mateus, ela sempre dizia "Elisa, você não pode beber, pois Jesus ficará triste". Agora me diga, Jesus deve estar muitoooo triste com ela, não é?
- Calma, vai ficar tudo bem. - Ele diz, sentando-se ao meu lado.
- Nada vai ficar bem! Ela morreu, Mateus! Eu passei cinco anos da minha vida, trabalhando igual uma condenada para dar a ela uma vida melhor, enquanto a dona mamaezinha estava se matando aos poucos!! - Esbravejo, pegando uma garrafa e dando um gole. - Eu odeio bebida alcoólica, por que estou bebendo isso?!!
- Até porque você sempre vai aos cultos no domingo. - Ele diz e acabo me lembrando.
- Ah meu Deus, pronto...vou para o inferno!! Eu estou pecando!! - Ajoelho-me chorando e Mateus me abraça, da forma mais dolorida que poderia existir.
- Você não vai para o inferno, Jesus entende que está doendo. Agora, apenas chore.
- Sussurra e deito-me em seu colo.
O enterro de minha mãe fora de forma apressada, como éramos pobres não houve grandes enfeites e nem mesmo convidados. Eram apenas eu, Mateus e o pastor da igreja que frequentavamos nos domingos, o nome dele era Gabriel e sua esposa também o acompanhou dona Agatha, uma mulher bonita de cabelos ruivos que brilhavam com o sol.
- Em momentos como esse, nada do que dissermos poderá aplacar a dor, mas, o tempo que conheci a dona Luiza, sentia que apesar de todas as angústias que havia dentro dela, o orgulho por sua filha era muito maior. - Diz sorrindo. - Ela sempre nos dizia "a Elisa será grande, pois ela tem sonhos grandes". Elisa, sua mãe amou muito você e o que aconteceu, não foi de forma alguma sua culpa, às vezes as pessoas precisam de algo para preencher o vazio que insiste em permanecer dentro delas. Mas, isso também não cobre o quanto Luiza era uma mulher boa, que amava o próximo e principalmente, amava muito quem você se tornou.
- Gabriel termina de falar, dando-me um abraço e o agradeço por aquelas lindas palavras.
- Gostaria de cantar algo, que sua mãe gostava? - Agatha pergunta e assinto, ficando em frente ao seu caixão.
- Tinha uma música, que eu sempre ouvia minha mãe cantar. Às vezes eu até falava "Mãe, troca um pouco de música", eu daria tudo para ouvi-la cantar mais uma vez.
- Eu te ajudo, Lisa. - Mateus diz, pondo sua mão sobre meu ombro.
- Maravilhosa graça como é doce o som
Que salvou um miserável como eu
Eu estava perdido, mas agora me encontrei
Estava cego, mas agora eu posso ver.
Foi sua graça que ensinou meu coração a temer
Sua graça aliviou meus temores
Como é preciosa esta graça que apareceu
Na hora em que eu acreditei.
De muitos perigos e sustos e armadilhas eu vim
Foi sua graça que me trouxe até aqui
E esta graça me levará para o meu novo lar
Onde eu eternamente irei cantar.
- Muito obrigada, pela presença de vocês aqui. Apesar de não sermos firmes na igreja, minha mãe amava muito a senhora.
- Digo e Agatha sorri me abraçando.
- Eu também a amava muito, sinto por não te-la ajudado mais. - Fala de forma sincera.
- Não se preocupe, ela e eu sabemos que vocês fizeram mais do que puderam.
- Sorrio dizendo e me despeço dos dois, que seguem para longe.
- Quer sair para comer alguma coisa?
- Mateus pergunta e discordo.
- Eu gostaria de andar um pouco, preciso espairecer. - Falo.
- Tudo bem, vamos lá. - Responde me abraçando e me afasto.
- Posso ir sozinha? Eu te agradeço por estar do meu lado, mas acho que nesse momento, tenho que ficar sozinha, preciso pensar no que irei fazer da minha vida.
- Claro, como quiser. Mas, antes de ir quero lhe dizer uma coisa. - Ficamos em frente o cemitério, parados por alguns minutos com o vento á estapear nossos cabelos.
- Tudo bem, pode dizer. - Respondo enfim.
- Quero que se mude comigo para Amsterdã.
- Mateus nunca havia sido tão impulsivo como naquele dia. - Eu sei, deve pensar que estou sendo impulsivo...
- Claro que estou, eu...eu não posso sair do Brasil e ir morar em outro país contigo.
- Claro que pode. Elisa, eu sinto dizer isso, mas não tem nada aqui. Eu e você só temos um ao outro, nos mudamos para lá e recomeçamos a nossa vida.
- Eu não posso, Mateus. Parece que está delirando. Preciso ir. - Me afasto caminhando sem rumo.
- Eu irei amanhã, vou te esperar no aeroporto! Já comprei sua passagem!
- Exclama e não olho para trás. Como ele poderia ser tão doido a ponto de comprar uma passagem, para alguém sem ter uma resposta afirmativa da pessoa?
O dia começara á se esfriar de repente, ajeito meu cardigan preto sobre o vestido que usava também da mesma cor e me sento em uma praça, que havia próximo dali.
- Espera aí, Elisa? - O rapaz do dia anterior, que comprara o colar para a namorada, sorri quando caminha e me vê.
- An...Isaque? - Pergunto e ele ri concordando, sentando-se ao meu lado.
- O que faz aqui? - Questiono.
- Ah, minha história não importa agora...me diga você, o que faz aqui? - Devolve a pergunta e observo as crianças á brincarem.
- Acho que...estou aguardando uma resposta do que fazer com a minha vida.
- Falo e ele permanece em silêncio por alguns segundos apenas.
- Bom, um parque é sempre um bom lugar para se decidir algo tão importante assim, os gritos estridentes das crianças com toda certeza ajudam. - Ironiza e dou risada. Tinha sido a minha primeira gargalhada daquele dia.
- Sabe, meu amigo veio com uma ideia maluca de nos mudarmos para a Holanda e começarmos uma nova vida.
- An...e qual foi sua resposta? Eu gostaria de ficar, mas, preciso ir. Agora você, olhando para ti...sinto que disse SIM.
- Na verdade ainda não respondi. Até ontem eu tinha tantas coisas que me prendiam aqui, mas, hoje...não consigo pensar em nenhuma.
- Então já tem sua resposta. Sabe, Elisa...não te conheço, mas, sei que Deus tem uma história escrita para cada um de nós, resta decidirmos se queremos vive-la ou escrevermos nós mesmos.
- Você acha que, ir para Amsterdã seria a história de Deus para mim? - Pergunto e ele sorri, abrindo os braços em uma expressão de "Sei lá".
- O que tem a perder? - Pergunta.
- Não tenho nada, não mais.
- Respondo e o mesmo beija minha testa.
- Então, me mande muitas fotos de todos os pontos turísticos. Tá bom? - Levanta-se e afirmo acenando para o mesmo que caminha, com um olhar triste. Isaque havia acabado de me dar uma resposta para minha vida e parecia confuso do que fazer com a sua.
Sigo diretamente para a padaria, onde pediria minhas contas e começaria uma nova vida no próximo dia.
- Elisa, que bom que está aqui...por favor me perdoe por ontem, fui fraco. - Henrique caminha ao meu lado, enquanto sigo até a cozinha.
- Elisa, o que faz aqui? Eu sinto muito pela sua mãe. - Euvira diz e agradeço com a cabeça.
- Gostaria de pedir as minhas contas, a senhora pode enviar o meu fundo de garantia nesta conta. - Lhe entrego um papel com o número da conta bancária.
- Como assim, Elisa? Querida, você está desse jeito por causa do luto. - Responde.
- Pode até ser, então tenho que aproveitar. Eu nunca tive coragem de tomar nenhuma atitude, a dor está me ajudando. - Seguro as lágrimas, indo em direção a saída.
- Elisa, para onde você vai? Casa comigo, eu cuido de você. - Henrique diz mais uma vez.
- Henrique, não tenho nada contra você, na verdade te acho um cara incrível. Mas, não preciso de homem para cuidar de mim, consegui fazer isso durante vinte anos e não estou tão m*l assim, quer dizer...só perdi minha mãe e ainda tenho um emprego para pedir demissão.
- Por que irá pedir demissão da joalheria?
- Indaga e apesar dele não ter nada a ver com isso, decido contar.
- Vou para a Holanda, irahhh!! - Exclamo galopando. "Não é Texas, Elisa", tá, não importa, galopem comigo!
Após sair da padaria, sigo até a joalheria onde Suellen sorri da forma s****a e desgramenta que só ela sabe sorrir.
- Elisa, que homemmm, você perdeu!!
- Exclama correndo até mim e lhe dou um "olé", indo ao escritório de Louise.
- Hello, Elisa. How are you? - Pergunta e sorrio, sentando-me em um cadeira á sua frente.
- I'm fine, my mother died and I'm moving to Amsterdam. - Digo rapidamente. Louise fica paralisada por longos segundos, atônita á me olhar.
- Caramba, você está falando muito bem! Espera aí, sua mãe morreu?