ISOBEL
Eu sinto a humilhação arder em meu rosto, mas me concentro em abraçar Dondoca durante todo o caminho e murmurar alguns agradecimentos a Diego. Acho que ele deve me achar a maior otária da cidade. Em dois dias seguidos me viu ser humilhada.
— Estou começando a achar esse bicho simpático. -Ele diz isso quando estaciona o carro na garagem subterrânea do prédio e a resposta de Dondoca é dar um latido agudo que o assusta e me faz rir.
— Eu disse que estou começando e não que já gosto de você, miniatura de cachorro.- Abraço Dondoca e saio do carro dando risada. Acho que só ri nas últimas vinte e quatro horas porque Diego me disse algo engraçado e jamais imaginei classificar meu vizinho como uma pessoa com veia cômica.
— Eu acho que já sei o que fazer para que sua autoestima seja consertada — ele fala assim que entramos no elevador e eu aperto o número sete.
— Me indicar um médico que faz bariátrica parcelada em quarenta vezes no cartão de crédito? -Minha intenção era ser engraçada, mas Diego crispa os lábios, me lançando um olhar zangado.
— Não tem nada de errado com seu corpo. Você é bonita.
— Não quero que sinta pena de mim também — digo e minha voz soa zangada. Não que ele tenha culpa de algo, mas ser digna de pena
machuca. — Não precisa ficar dizendo que eu sou bonita porque Guilherme e a mãe dele disseram o contrário. Desde pequena fui tida como o patinho f**o e não vai ser aos vinte e cinco anos que eu irei virar um cisne.
— Então foi por se achar o patinho f**o que aceitou namorar com aquele bosta que só te coloca pra baixo? -Saímos para o corredor e eu paro na frente dele, pensando em como responder à pergunta que eu mesma já me fiz incontáveis vezes.
— Não queria passar a vida sem saber como é ter tido um namorado. -Diego arregala os olhos diante das minhas palavras, ditas tão
baixinhas que eu queria muito que ele não tivesse sido capaz de ouvir.
— Quer dizer que só namorou com ele?
— Sim — confesso e abraço um pouco mais Dondoca, que está dormindo em meus braços como se nada no mundo fosse mais importante que seu descanso. — Ele foi o único cara que eu beijei e... fiz outras coisas
também.
— Que d***a, Isobel! Você é praticamente virgem. -Meu rosto esquenta diante da indignação dele e eu olho para meus pés, percebendo que preciso de sapatilhas novas urgentes.
— Vamos dar um jeito nessa sua autoestima. Eu quero que você se enxergue da mesma forma como eu te vejo. -Diego apoia as mãos em meus ombros e eu levanto a cabeça,
encontrando seus olhos escuros e vendo que ele parece bem determinado.
— Por quê? — questiono, engolindo em seco ao vê-lo tão perto de mim. — Por que quer me ajudar?
— Eu já fui traído por alguém que eu gostava e sei como se sente, Isobel.-Fico surpresa com as palavras dele, mas ainda mais quando me puxa de encontro a seu peito e me abraça. Diego cheira a amaciante de roupas e eu até poderia ter tentado descobrir se usa perfume, mas Dondoca não gostou de ser apertada e começou a rosnar, fazendo com que ele se afastasse.
— De que forma quer me ajudar? — indago quando nos afastamos e ele olha para Dondoca como se ela fosse o atacar a qualquer segundo.
— Fotos. Eu sou fotógrafo.
— Eu sei que é fotógrafo, mas pensei que trabalhasse para uma revista famosa e tirando fotos de modelos, não de...
— Eu tiro fotos de pessoas bonitas e você é uma delas.
— Mas...
— Venha até meu apartamento depois das quatro. Até lá, eu irei dormir e agradeço muito se a senhorita Dondoca não latir. -A resposta da minha cachorrinha é um latido esganiçado, quase como se tivesse entendido o pedido dele, diferente de mim que só consigo ficar parada no meio do corredor como uma tola.
~~~~~~~~~~~
(...)
— Aproveita, amiga! Ele é lindo e te ajudou a recuperar Dondoca. - Minha amiga fala, depois de eu explicar tudo que aconteceu.
— Não quero que ele sinta pena de mim.
— Ele já não te explicou que também foi traído.
— Eu sei, mas...
— Deus dá oportunidade para quem só sabe desperdiçar mesmo...
— Terminei um namoro ontem, Pamela.
— Um namoro que já estava acabado há mais de um ano. Quanto tempo fazia que vocês não transavam?
— Mais de seis meses, mas ele me dizia que era porque estava cansado. Agora eu sei que é porque estava transando com outra.
— Está na hora de você aproveitar. Muitas mulheres com baixa autoestima tiram fotos e começam a se gostarem. Você precisa disso, Isobel. Você É linda e tem que começar a enxergar isso. Guilherme colocou na tua cabeça que era um milagre ter olhado para você, mas na verdade o milagre foi você
ter aceito aquele palerma. Mulheres gordas são tão lindas quanto as magras.- Pamela para de falar, recuperando o fôlego, e eu percebo que ela tem razão. O tempo todo Guilherme fez eu acreditar que era bom demais para mim e isso se fundiu as memórias de bullying na escola do interior e eu o agarrei com as duas mãos como se fosse meu salvador e comecei a fazer tudo
o que ele queria. Sempre íamos assistir aos filmes que Guilherme queria ver e nunca os que eu estava doida para assistir. Os restaurante eram os favoritos dele e nunca os meus, sem falar que o s**o era sempre do jeito que ele queria, comigo fazendo tudo e ele apenas deitado e querendo ser satisfeito
.
— Acho que você tem razão, Pam.
— É claro que eu tenho. Diego pode ser um bom amigo para você. Está na hora de começar a se valorizar, Isobel. O que você tinha com o Guilherme não era amor, mas receio de não encontrar outro homem. Amor é
muito diferente daquele relacionamento abusivo.
— Acha que era abusivo?
— a***o não é somente se ele te bater, Isobel. Violência psicológica existe e você é a prova disso. Ele te fazia se sentir um nada, fez com que acreditasse que era f**a e que era bom demais para você. Amor não é um ser superior ao outro, mas os dois se gostarem a ponto de quererem dividir uma vida. Guilherme estava te destruindo e esse namoro ter acabado foi a melhor coisa que já te aconteceu. -Não consigo continuar falando e começo a chorar, sabendo que Pamela tem razão. As únicas vezes em que brigamos foi porque ela me disse que Guilherme não era bom para mim e que fazia com que eu me sentisse um lixo.
Guilherme, por sua vez, achava que a Pam não era uma boa amiga e várias vezes insistiu para que eu encerrasse nossa amizade, pouco se lixando para quando eu dizia que ela foi minha primeira amiga aqui na cidade e que dividimos um quarto minúsculo em uma república quando não tínhamos
dinheiro nem para o miojo.
— Eu sei que dói, Isobel, mas aquele cara fez com que até seus esforços para subir na vida fossem menosprezados. Seu delivery está
ganhando a cidade e fazendo sucesso e ele só ficava te chamando de desempregada. O medo dele sempre foi você enxergar sua própria beleza e se tornar segura porque aí, minha amiga, ele não iria mais conseguir te manter em uma gaiola que ele ficava pintando para parecer ser dourada. -E sabe o que mais está doendo agora? O fato de que a Pamela tem razão. Eu me deixei ser posta para baixo porque passei a acreditar em tudo o que Guilherme me dizia por não conhecer uma vida longe do interior em que cresci.
Só que está na hora de eu começar a descobrir o mundo que ele me impediu de desbravar. Dá medo, mas é um medo que eu estarei disposta a enfrentar.